Disponível em:
http://www.jefersonbotelho.com.br/2008/07/05/policia-civil-nao-e-obrigada-a-cumprir-ordem-de-conducao-coercitiva-emanada-de-juizo-civel/
Acesso em: 30 mar 2012
Prof. Jeferson Botelho
Temas Jurídicos, Policiais e Acadêmicos
Polícia Civil não é obrigada a cumprir ordem de
condução coercitiva emanada de Juízo Cível
5 de julho de 2008
Professor Jéferson Botelho
A Polícia Civil tem suas funções bem definidas no
artigo 144, § 4º da Constituição Federal, onde expressamente prevê:
“às polícias civis, dirigidas por delegados de
polícia de carreira incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de
polícia judiciária e apurações de infrações, exceto as militares”.
A Lei orgânica de Polícia Civil de Minas Gerais, Lei
5.406/69 também prevê as funções da Polícia Judiciária, tendo como objetivos a
proteção à vida, e aos demais bens jurídicos, a preservação da ordem e da
moralidade pública, preservação das instituições político-jurídicas, apuração
das infrações penais, exercício da polícia judiciária e colaboração com as
autoridades judiciárias, civis e militares, em assuntos de Segurança Interna.
A Constituição do Estado de Minas Gerais, em seu
artigo 136 e SS define a estrutura legal e funcional da Polícia Civil, como
sendo Órgão Permanente do Poder Público, dirigido por Delegado de Polícia de
carreira, incumbindo-lhe as funções de polícia judiciária e a apuração no
território do Estado, das infrações penais, exceto as militares, além do
exercício da Polícia técnico-científica, processamento e arquivo de
identificação civil e criminal, registro e licenciamento de veículo automotor e
habilitação de condutor.
Não obstante a todo esse claro legalismo, em algumas
situações, juízes do cível têm determinado que autoridades policiais cumpram a
chamada condução coercitiva, em relação ao ofendido, acusado ou testemunha,
que, de forma deliberada e injustificada, descumprem a ordem emanada do poder
judiciário. Coerção é o meio pelo qual o Estado exerce seu poder, a fim de
fazer cumprir as leis que promulgou.
É sabido, que a Lei processual penal pátria prevê
situações em que o juiz de direito deve prover a regularidade do processo,
chamado doutrinariamente de atividade de natureza processual, deve manter a
ordem no curso do processo, se for o caso requisitando força pública, na
chamada atividade de natureza administrativa formando o tríplice poder
instrutório, disciplinar e coercitivo. O instituto da condução coercitiva vem
previsto nos artigos 201, parágrafo único, 218 e 260 do CPP, respectivamente em
relação ao ofendido, testemunha e ao acusado.
Textualmente, a lei processual penal possibilita ao
juiz requisitar diretamente á autoridade policial ou até mesmo ao oficial de
justiça conduzir coercitivamente estes três atores do processo que de alguma
forma se recusam a comparecer na audiência. O art. 34, § 2º da Lei 9.099/95,
igualmente prevê a possibilidade da condução coercitiva, inclusive com a
possibilidade de requisição de Força Pública. Essa Força certamente não é a
Polícia Civil, que possui função essencialmente investigativa. O artigo 26, I,
da Lei 8.625/993, Lei Nacional do Ministério Público prevê a condução
coercitiva determinada pelo Ministério Público em sede de Inquérito Civil
Público, citando expressamente requisição das Polícias Civil e Militar no
cumprimento das diligências. Creio que em relação à Polícia Civil, a lei é
estupidamente inconstitucional, eis que fere frontalmente a Constituição
Federal, em seu artigo 144, que define a função da Instituição, não sendo a
Polícia Civil nenhum órgão auxiliar do Ministério Público. Conduzir pessoas a
presença do promotor de Justiça não é tarefa investigativa.
Noutro giro, como disse, é comum alguns juizes que
militam no juízo cível, requisitarem diretamente à autoridade policial este
tipo de diligência, às vezes com infundada ameaça de cometerem crime de
desobediência ou até mesmo ato ilícito de improbidade administrativa.
Equivoca-se quem age dessa maneira. Primeiro, porque
os poderes do juiz que atua na justiça civil estão previstos no artigo 125 do
CPC, determinando que o magistrado assegure às partes igualdade de tratamento,
atue no sentido de velar pela rápida solução do litígio e ainda previna ou
reprima qualquer ato contrário á dignidade da justiça. Segundo, porque o crime
de desobediência está situado no capítulo dos crimes praticados por
particulares contra a administração pública, artigo 328 usque 337 do Código
Penal e, portanto, segundo doutrina e jurisprudência autorizadas, o funcionário
público não comete este tipo de delito.
A meu sentir, não há o que se falar de ato de
improbidade em razão da atipicidade fática, considerando que a Lei 8.429/92 nos
seus artigos e 9º, 10 e 11 não prevê esse suposto ato ilícito de improbidade.
Pensar que seria retardar ato de ofício é pensar pequeno demais movido pelas
luzes do holofote, mesmo porque conduzir coercitivamente pessoas ao poder
judiciário não é ato de ofício do delegado de polícia.
Em se tratando de inobservância da ordem judicial no
cível, ou ofensa aos deveres das partes, conduzindo à litigância de má-fé,
possui o magistrado o instituto do contempt of court consistente na aplicação
de multas e outras sanções conforme for a situação.
Por outro lado, dispõe o Código de Processo Civil,
no artigo 139 as funções dos auxiliares da justiça e precisamente no artigo 143
prevê a função do oficial de justiça que deverá pessoalmente realizar as
citações, prisões, penhoras, arrestos e outras diligência próprias de seu
ofício e executar as ordens do juiz a que estiver subordinado. Se o Oficial de
justiça pode prender, também poderá conduzir coercitivamente o recalcitrante
das ordens judiciárias.
Portanto, a Polícia Civil não exerce nenhuma função
no processo cível, mesmo porque, o juízo extrapenal possui todo aparato
disponível para fazer cumprir as suas ordens. A violência cresce velozmente e a
Polícia Civil tem muito que fazer para assegurar esse direito social, que é a
Segurança Pública.
É de bom alvitre salientar que a polícia civil,
chamada indevidamente de polícia judiciária, não possui nenhuma subordinação ao
Poder Judiciário ou a nenhuma outra instituição que de forma indevida se
apresenta como censor da Instituição.
Polícia civil é uma Instituição independente e sua
única subordinação se restringe aos ditames legais.
Acima de tudo é imperioso que se respeite a
Instituição Polícia Civil, bicentenária de bons serviços prestados à comunidade
mineira, que indubitavelmente não é capacho de caprichos de autoridades que se
acham poderosas em julgar aqui na Terra, se assemelhando a um semi-Deus, e de
outras falsas autoridades que gostam de intrometer e meter o nariz onde não
cabe. A Autoridade Policial é independente, tem sua atividade vinculada à lei,
e somente a esta se deve obediência. A vida e a liberdade das pessoas não se
efetivarão plenamente se a sociedade não se achar organizada sob a égide do
princípio da legalidade. É preciso que o princípio não se limite ao texto da
lei e obtenha efetividade na estrutura social, salientava Paulo Nader.
Não é preciso ensinar o Delegado de Polícia a sua
função precípua e o seu dever legal. Vivemos num estado de direito, onde a lei
está acima de nossas vaidades; viver é um pacto social, onde todos se respeitam,
o limite de nossas ações é o mais importante para estabelecer uma convivência
humana mais digna, fraterna, e nenhum Poder pode estar acima do outro, sob pena
de quebrar o princípio da separação de funções, e de restabelecer a odiosa
ditadura que um dia assentou raízes em nosso meio, ultrapassando as fúnebres
fases de submissão à força, passando pelo Brasil Colonial, Império, República
Velha, Estado Novo e a Ditadura Militar de 1964, mas graças a luta incessante
dos bravos liberalistas conquistamos a liberdade plena de pensamento, podendo
respirar nos dias atuais a suave brisa da democracia.