30 de mar. de 2012

Polícia Civil não é obrigada a cumprir ordem de condução coercitiva emanada de Juízo Cível



Prof. Jeferson Botelho
Temas Jurídicos, Policiais e Acadêmicos

Polícia Civil não é obrigada a cumprir ordem de condução coercitiva emanada de Juízo Cível
5 de julho de 2008
Professor Jéferson Botelho
A Polícia Civil tem suas funções bem definidas no artigo 144, § 4º da Constituição Federal, onde expressamente prevê:

“às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e apurações de infrações, exceto as militares”.

A Lei orgânica de Polícia Civil de Minas Gerais, Lei 5.406/69 também prevê as funções da Polícia Judiciária, tendo como objetivos a proteção à vida, e aos demais bens jurídicos, a preservação da ordem e da moralidade pública, preservação das instituições político-jurídicas, apuração das infrações penais, exercício da polícia judiciária e colaboração com as autoridades judiciárias, civis e militares, em assuntos de Segurança Interna.

A Constituição do Estado de Minas Gerais, em seu artigo 136 e SS define a estrutura legal e funcional da Polícia Civil, como sendo Órgão Permanente do Poder Público, dirigido por Delegado de Polícia de carreira, incumbindo-lhe as funções de polícia judiciária e a apuração no território do Estado, das infrações penais, exceto as militares, além do exercício da Polícia técnico-científica, processamento e arquivo de identificação civil e criminal, registro e licenciamento de veículo automotor e habilitação de condutor.

Não obstante a todo esse claro legalismo, em algumas situações, juízes do cível têm determinado que autoridades policiais cumpram a chamada condução coercitiva, em relação ao ofendido, acusado ou testemunha, que, de forma deliberada e injustificada, descumprem a ordem emanada do poder judiciário. Coerção é o meio pelo qual o Estado exerce seu poder, a fim de fazer cumprir as leis que promulgou.

É sabido, que a Lei processual penal pátria prevê situações em que o juiz de direito deve prover a regularidade do processo, chamado doutrinariamente de atividade de natureza processual, deve manter a ordem no curso do processo, se for o caso requisitando força pública, na chamada atividade de natureza administrativa formando o tríplice poder instrutório, disciplinar e coercitivo. O instituto da condução coercitiva vem previsto nos artigos 201, parágrafo único, 218 e 260 do CPP, respectivamente em relação ao ofendido, testemunha e ao acusado.

Textualmente, a lei processual penal possibilita ao juiz requisitar diretamente á autoridade policial ou até mesmo ao oficial de justiça conduzir coercitivamente estes três atores do processo que de alguma forma se recusam a comparecer na audiência. O art. 34, § 2º da Lei 9.099/95, igualmente prevê a possibilidade da condução coercitiva, inclusive com a possibilidade de requisição de Força Pública. Essa Força certamente não é a Polícia Civil, que possui função essencialmente investigativa. O artigo 26, I, da Lei 8.625/993, Lei Nacional do Ministério Público prevê a condução coercitiva determinada pelo Ministério Público em sede de Inquérito Civil Público, citando expressamente requisição das Polícias Civil e Militar no cumprimento das diligências. Creio que em relação à Polícia Civil, a lei é estupidamente inconstitucional, eis que fere frontalmente a Constituição Federal, em seu artigo 144, que define a função da Instituição, não sendo a Polícia Civil nenhum órgão auxiliar do Ministério Público. Conduzir pessoas a presença do promotor de Justiça não é tarefa investigativa.

Noutro giro, como disse, é comum alguns juizes que militam no juízo cível, requisitarem diretamente à autoridade policial este tipo de diligência, às vezes com infundada ameaça de cometerem crime de desobediência ou até mesmo ato ilícito de improbidade administrativa.

Equivoca-se quem age dessa maneira. Primeiro, porque os poderes do juiz que atua na justiça civil estão previstos no artigo 125 do CPC, determinando que o magistrado assegure às partes igualdade de tratamento, atue no sentido de velar pela rápida solução do litígio e ainda previna ou reprima qualquer ato contrário á dignidade da justiça. Segundo, porque o crime de desobediência está situado no capítulo dos crimes praticados por particulares contra a administração pública, artigo 328 usque 337 do Código Penal e, portanto, segundo doutrina e jurisprudência autorizadas, o funcionário público não comete este tipo de delito.

A meu sentir, não há o que se falar de ato de improbidade em razão da atipicidade fática, considerando que a Lei 8.429/92 nos seus artigos e 9º, 10 e 11 não prevê esse suposto ato ilícito de improbidade. Pensar que seria retardar ato de ofício é pensar pequeno demais movido pelas luzes do holofote, mesmo porque conduzir coercitivamente pessoas ao poder judiciário não é ato de ofício do delegado de polícia.

Em se tratando de inobservância da ordem judicial no cível, ou ofensa aos deveres das partes, conduzindo à litigância de má-fé, possui o magistrado o instituto do contempt of court consistente na aplicação de multas e outras sanções conforme for a situação.

Por outro lado, dispõe o Código de Processo Civil, no artigo 139 as funções dos auxiliares da justiça e precisamente no artigo 143 prevê a função do oficial de justiça que deverá pessoalmente realizar as citações, prisões, penhoras, arrestos e outras diligência próprias de seu ofício e executar as ordens do juiz a que estiver subordinado. Se o Oficial de justiça pode prender, também poderá conduzir coercitivamente o recalcitrante das ordens judiciárias.

Portanto, a Polícia Civil não exerce nenhuma função no processo cível, mesmo porque, o juízo extrapenal possui todo aparato disponível para fazer cumprir as suas ordens. A violência cresce velozmente e a Polícia Civil tem muito que fazer para assegurar esse direito social, que é a Segurança Pública.

É de bom alvitre salientar que a polícia civil, chamada indevidamente de polícia judiciária, não possui nenhuma subordinação ao Poder Judiciário ou a nenhuma outra instituição que de forma indevida se apresenta como censor da Instituição.

Polícia civil é uma Instituição independente e sua única subordinação se restringe aos ditames legais.

Acima de tudo é imperioso que se respeite a Instituição Polícia Civil, bicentenária de bons serviços prestados à comunidade mineira, que indubitavelmente não é capacho de caprichos de autoridades que se acham poderosas em julgar aqui na Terra, se assemelhando a um semi-Deus, e de outras falsas autoridades que gostam de intrometer e meter o nariz onde não cabe. A Autoridade Policial é independente, tem sua atividade vinculada à lei, e somente a esta se deve obediência. A vida e a liberdade das pessoas não se efetivarão plenamente se a sociedade não se achar organizada sob a égide do princípio da legalidade. É preciso que o princípio não se limite ao texto da lei e obtenha efetividade na estrutura social, salientava Paulo Nader.

Não é preciso ensinar o Delegado de Polícia a sua função precípua e o seu dever legal. Vivemos num estado de direito, onde a lei está acima de nossas vaidades; viver é um pacto social, onde todos se respeitam, o limite de nossas ações é o mais importante para estabelecer uma convivência humana mais digna, fraterna, e nenhum Poder pode estar acima do outro, sob pena de quebrar o princípio da separação de funções, e de restabelecer a odiosa ditadura que um dia assentou raízes em nosso meio, ultrapassando as fúnebres fases de submissão à força, passando pelo Brasil Colonial, Império, República Velha, Estado Novo e a Ditadura Militar de 1964, mas graças a luta incessante dos bravos liberalistas conquistamos a liberdade plena de pensamento, podendo respirar nos dias atuais a suave brisa da democracia.