RESOLUÇÃO
N° 08 DE 21 DE DEZEMBRO DE 2012.
Dispõe
sobre a abolição de designações
genéricas, como “autos de resistência”,
“resistência
seguida de morte”, em registros
policiais, boletins de ocorrência, inquéritos
policiais
e notícias de crime.
A MINISTRA
DE ESTADO CHEFE DA SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA,
na qualidade de PRESIDENTA DO CONSELHO DE DEFESA DOS DIREITOS DA PESSOA HUMANA,
no uso das atribuições que lhe são conferidas pela Lei nº 4.319, de 16 de março
de 1964, com alterações proporcionadas pelas Leis nº 5.763, de 15 de dezembro
de 1971, e nº 10.683, de 28 de maio de 2003, esta última com a redação dada
pela Lei nº 12.314, de 19 de agosto de 2010, dando cumprimento à deliberação
unânime do Colegiado do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, realizada
em sua 214ª reunião ordinária, nas presenças dos senhores Percílio De Sousa
Lima Neto, Vice-Presidente do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana;
Gláucia Silveira Gauch, Conselheira Representante do Ministério das Relações
Exteriores; Carlos Eduardo Cunha Oliveira, Conselheiro Representante do
Ministério das Relações Exteriores; Aurélio Virgílio Veiga Rios, Conselheiro
Representante do Ministério Público Federal; Tarciso Dal Maso Jardim, Conselheiro
Professor de Direito Constitucional; Fernando Santana Rocha, Conselheiro Professor
de Direito Penal; Eugênio José Guilherme de Aragão, Conselheiro Professor de
Direito Penal; Edgar Flexa Ribeiro, Conselheiro Representante da Associação
Brasileira de Educação e Ivana Farina Navarrete Pena, Conselheira “ad hoc”
Representante do Conselho Nacional de Procuradores Gerais dos Ministérios
Públicos dos Estados e da União,
Considerando
que os direitos à vida, à liberdade, à segurança e à integridade física e
mental são elementares dos sistemas nacional e internacional de proteção de
direitos humanos e se situam em posição hierárquica suprema nos catálogos de
direitos fundamentais;
Considerando
que todo caso de homicídio deve receber do Estado a mais cuidadosa e dedicada
atenção e que a prova da exclusão de sua antijuridicidade, por legítima defesa,
estado de necessidade, estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular
de direito, apenas poderá ser verificada após ampla investigação e instrução
criminal e no curso de ação penal;
Considerando
que não existe, na legislação brasileira, excludente de “resistência seguida de
morte”, frequentemente documentada por “auto de resistência”, o registro do
evento deve ser como de homicídio decorrente de intervenção policial e, no
curso da investigação, deve-se verificar se houve, ou não, resistência que
possa fundamentar excludente de antijuridicidade;
Considerando
que apenas quatro Estados da Federação divulgam amplamente o número de mortes
decorrentes de atos praticados por policiais civis e militares (Mato Grosso do Sul,
Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina) e que, nestes, entre janeiro de
2010 e junho de 2012, houve 3086 mortes em confrontos com policiais, sendo 2986
registradas por meio dos denominados autos de resistência (ou resistência
seguida de morte) e 100 mortes em ação de policiais civis e militares;
Considerando
que a violência destas mortes atinge vítimas e familiares, assim como cria um
ambiente de insegurança e medo para toda a comunidade;
Considerando
o disposto na Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, que regulamenta o
direito fundamental ao acesso à informação e na Lei nº 12.681, 04 de julho de 2012,
que institui o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais
e sobre Drogas – SINESP;
Considerando
que o Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009, que aprova o Programa
Nacional de Direitos Humanos 3 – PNDH
– 3, em sua Diretriz 14, Objetivo Estratégico I, recomenda “o fim do emprego nos
registros policiais, boletins de ocorrência policial e inquéritos policiais de
expressões genéricas como “autos de resistência”, “resistência seguida de morte” e assemelhadas, em casos que
envolvam pessoas mortas por agentes de segurança
pública;
Considerando
o Relatório 141/11, de 31 de outubro de 2011, da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos/OEA para o Estado Brasileiro, recomendando a eliminação imediata
dos registros de mortes pela polícia por meio de autos de resistência;
Considerando
o disposto no Relatório do Relator Especial da ONU para Execuções
Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias
- Philip Alston -, que no item 21, b, expressa como
inaceitável o modo de classificação e registro das mortes causadas por
policiais com a designação de “autos de resistência”, impondo-se a investigação
imparcial dos assassinatos classificados como “autos de resistência”,
recomenda:
Art. 1º As
autoridades policiais devem deixar de usar em registros policiais, boletins de
ocorrência, inquéritos policiais e notícias de crimes designações genéricas
como “autos de resistência”, “resistência seguida de morte”, promovendo o
registro, com o nome técnico de “lesão corporal decorrente de intervenção
policial” ou “homicídio decorrente de intervenção policial”, conforme o caso.
Art. 2º Os
órgãos e instituições estatais que, no exercício de suas atribuições, se confrontarem
com fatos classificados como “lesão corporal decorrente de intervenção
policial” ou “homicídio decorrente de intervenção policial” devem observar, em
sua atuação, o seguinte:
I - os
fatos serão noticiados imediatamente a Delegacia de Crimes contra a Pessoa ou a
repartição de polícia judiciária, federal ou civil, com atribuição assemelhada,
nos termos do art. 144 da Constituição, que deverá:
a) instaurar,
inquérito policial para investigação de homicídio ou de lesão corporal;
b)
comunicar nos termos da lei, o ocorrido ao Ministério Público.
II- a
perícia técnica especializada será realizada de imediato em todos os armamentos,
veículos e maquinários, envolvidos em ação policial com resultado morte ou lesão
corporal, assim como no local em que a ação tenha ocorrido, com preservação da
cena do crime, das cápsulas e projeteis até que a perícia compareça ao local,
conforme o disposto no art. 6.º, incisos I e II; art. 159; art. 160; art. 164 e
art. 181, do Código de Processo Penal;
III - é
vedada a remoção do corpo do local da morte ou de onde tenha sido encontrado
sem que antes se proceda ao devido exame pericial da cena, a teor do previsto
no art. 6.º, incisos I e II, do Código de Processo Penal;
IV - cumpre
garantir que nenhum inquérito policial seja sobrestado ou arquivado sem que
tenha sido juntado o respectivo laudo necroscópico ou cadavérico subscrito por
peritos criminais independentes e imparciais, não subordinados às autoridades
investigadas;
V - todas
as testemunhas presenciais serão identificadas e sua inquirição será realizada
com devida proteção, para que possam relatar o ocorrido em segurança e sem
temor;
VI - cumpre
garantir, nas investigações e nos processos penais relativos a homicídios
ocorridos em confrontos policiais, que seja observado o disposto na Resolução 1989/65
do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC).
VII - o
Ministério Público requisitará diligências complementares caso algum dos requisitos
constantes dos incisos I a V não tenha sido preenchido;
VIII - no
âmbito do Ministério Público, o inquérito policial será distribuído a membro
com atribuição de atuar junto ao Tribunal do Júri, salvo quando for hipótese de
“lesão corporal decorrente de intervenção policial”;
IX - as
Corregedorias de Polícia determinarão a imediata instauração de processos administrativos
para apurar a regularidade da ação policial de que tenha resultado morte, adotando
prioridade em sua tramitação;
X - sem
prejuízo da investigação criminal e do processo administrativo disciplinar,
cumpre à Ouvidoria de Polícia, quando houver, monitorar, registrar, informar, de
forma independente e imparcial, possíveis abusos cometidos por agentes de
segurança pública em ações de que resultem lesão corporal ou morte;
XI - os
Comandantes das Polícias Militares nos Estados envidarão esforços no sentido de
coibir a realização de investigações pelo Serviço Reservado (P-2) em hipóteses
não relacionadas com a prática de infrações penais militares;
XII - até
que se esclareçam as circunstâncias do fato e as responsabilidades, os policiais
envolvidos em ação policial com resultado de morte:
a) serão
afastados de imediato dos serviços de policiamento ostensivo ou de missões
externas, ordinárias ou especiais; e
b) não
participarão de processo de promoção por merecimento ou por bravura.
XIII - cumpre
às Secretarias de Segurança Pública ou pastas estaduais assemelhadas abolir,
quando existentes, políticas de promoção funcional que tenham por fundamento o
encorajamento de confrontos entre policiais e pessoas supostamente envolvidas em
práticas criminosas, bem como absterem-se de promoções fundamentadas em ações
de bravura decorrentes da morte dessas pessoas;
XIV - será divulgado,
trimestralmente, no Diário Oficial da unidade federada, relatório de
estatísticas criminais que registre o número de casos de morte ou lesões
corporais decorrentes de atos praticados por policiais civis e militares, bem
como dados referentes a vítimas, classificadas por gênero, faixa etária, raça e
cor;
XV - será
assegurada a inclusão de conteúdos de Direitos Humanos nos concursos para
provimento de cargos e nos cursos de formação de agentes de segurança pública,
membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, com
enfoque historicamente fundamentado sobre a necessidade de ações e processos
assecuratórios de política de segurança baseada na cidadania e nos direitos
humanos;
XVI - serão
instaladas câmeras de vídeo e equipamentos de geolocalização (GPS) em todas as
viaturas policiais;
XVII - é
vedado o uso, em fardamentos e veiculos oficiais das polícias, de símbolos e
expressões com conteúdo intimidatório ou ameaçador, assim como de frases e
jargões em músicas ou jingles de treinamento que façam apologia ao crime e à
violência;
XVIII - o
acompanhamento psicológico constante será assegurado a policiais envolvidos em
conflitos com resultado morte e facultado a familiares de vítimas de agentes do
Estado;
XIX - cumpre
garantir a devida reparação às vítimas e a familiares das pessoas mortas em
decorrência de intervenções policiais;
XX - será
assegurada reparação a familiares dos policiais mortos em decorrência de sua
atuação profissional legítima;
XXI - cumpre
condicionar o repasse de verbas federais ao cumprimento de metas públicas de
redução de:
a) mortes
decorrentes de intervenção policial em situações de alegado confronto;
b) homicídios
com suspeitas de ação de grupo de extermínio com a participação de agentes
públicos; e
c)
desaparecimentos forçados registrados com suspeita de participação de agentes públicos.
XXII - cumpre
criar unidades de apoio especializadas no âmbito dos Ministérios Públicos para,
em casos de homicídios decorrentes de intervenção policial, prestarem devida colaboração
ao promotor natural previsto em lei, com conhecimentos e recursos humanos e financeiros
necessários para a investigação adequada e o processo penal eficaz.
Art. 3º Cumpre
ao Ministério Público assegurar, por meio de sua atuação no controle externo da
atividade policial, a investigação isenta e imparcial de homicídios decorrentes
de ação policial, sem prejuízo de sua própria iniciativa investigatória, quando
necessária para instruir a eventual propositura de ação penal, bem como zelar,
em conformidade com suas competências, pela tramitação prioritária dos
respectivos processos administrativos disciplinares instaurados no âmbito das
Corregedorias de Polícia.
Art. 4º O
Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana oficiará os órgãos federais e
estaduais com atribuições afetas às recomendações constantes desta Resolução dando-lhes ciência
de seu inteiro teor.
Art. 5º
Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
MARIA DO
ROSÁRIO NUNES
Presidenta
do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana