Disponível em: http://www.adpesp.org.br/artigos_exibe.php?id=222
Acesso em: 17 jan. 2013
20/12/2012
- O ciclo completo de Polícia Judiciária
Por Juvenal
Marques Ferreira Filho
O sistema
de segurança pública adotado no Brasil é seccionado entre várias polícias com
atribuições especificadas no artigo 144 da Constituição Federal. No entanto na
prática as ações desenvolvidas pelas instituições e corporações policiais,
mormente no âmbito estadual, se confundem. O policiamento ostensivo está
definido como atribuição da Polícia Militar, enquanto as ações investigativas
para apuração de crime são de atribuição da Polícia Civil. O chamado ciclo
incompleto de polícia tem gerado atritos entre as polícias estaduais, uma vez
que ambas acabam por desenvolver formas de policiamento com invasão na área de
atuação uma das outras.
Assim a
polícia militar mantém pelotões de investigação para depois efetuar o
patrulhamento direcionado para as áreas investigadas para a produção de
flagrantes, enquanto a polícia civil mantém equipes uniformizadas também com
ações direcionadas a impedir a ocorrência de determinados crimes, como as
equipes de combate ao roubo a bancos e os grupos especializados (GOE) para o
enfrentamento com o crime organizado, onde o armamento utilizado geralmente é
de uso restritivo das forças armadas com alto poder de fogo. Aliás quando a
polícia civil realiza o policiamento ostensivo o faz de maneira muito mais
dinâmica e efetiva do que a Polícia Militar, onde a cadeia hierárquica truncada
faz com que, além dos policiais militares empregados no ostensivo, tenha
necessariamente uma supervisão por sargentos, que por sua vez são
supervisionados por um oficial. As equipes especializadas da Polícia Civil
realizam o policiamento ostensivo especializado com menos homens, menos
despesas e a mesma efetividade da PM.
Diante
desse quadro de atrito, competitividade e falta de identidade das polícias
estaduais surgiu à tese do ciclo completo de polícia. No entanto, de maneira
equivocada alguns pseudo especialistas em polícia têm pregado a implantação do
ciclo completo de polícia com o direcionamento para aumento de atribuições da
Polícia Militar, conforme a incidência penal. Na linha doutrinária desses
“especialistas”, dependendo da incidência penal, a Polícia Militar atenderia e
implementaria as providências até o final da ocorrência, inclusive as
providências de natureza judiciária, portanto usurpando as funções da polícia
civil, para a qual não tem preparo, sem se reportar a Autoridade Policial. Ora
a divisão de atribuições já está prevista na Carta Magna, no entanto, o que
temos visto é que na prática isso não funciona. A desorganização do aparelho
policial do Estado Brasileiro é patente, enquanto o crime organizado se expande
em escalada assustadora, não só pela força do material bélico empregado,
logística, ações cada vez mais ousadas, da corrupção diante de polícias mal
pagas, mas também pela preparação, inclusive com custeio de curso superior,
para a infiltração de agentes dessas organizações criminosas nos três Poderes
da República.
O ciclo
completo de polícia pressupõe uma única polícia com a atribuição da execução do
policiamento urbano e combate as diversas formas de criminalidade com a repressão
adequada, quer nos crimes comuns como também no crime organizado. Para o
sucesso nessa empreitada a polícia tem que desenvolver ações organizadas no
policiamento ostensivo perfeitamente integrada com ações de inteligência, não
somente para minimizar a incidência criminal, como também para a efetiva
investigação com a colheita de provas para a persecução penal a ser
desenvolvida pelo Ministério Público. O crescimento e o aperfeiçoamento do
crime organizado não permitem mais ao Estado Brasileiro o amadorismo em ações
de Segurança Pública.
Efetivamente
a solução para a crise de Segurança Pública no Brasil passa pelo Ciclo Completo
de Polícia Judiciária com o desenvolvimento de ações minimizadoras da
incidência criminal, uma vez que supressão total do crime é utopia. Ações de
inteligência para o direcionamento do policiamento ostensivo, bem como a
efetiva investigação dos crimes perpetrados com a identificação do agente
criminoso e colheita de prova para a instrumentalização da persecução penal por
parte do Ministério Público fecham o ciclo completo de polícia. Esse mister
somente pode ser realizado por uma polícia judiciária atuando com atribuição
unificada e integrada no combate ao crime. As polícias civis estaduais têm
plenas condições de realizar esse papel, até porque sua formação profissional é
exclusivamente para o combate ao crime, sem qualquer doutrina estranha ao ideal
de defesa da sociedade civil com respeito ao estado de direito vigente.
A Polícia
Militar tem formação e doutrina militar cujo objetivo é por excelência a
neutralização e, quando necessário o abate do inimigo, com ações táticas de
enfrentamento e destruição da força opositora. Esse tipo de ação é incompatível
com o policiamento civil para a proteção de uma sociedade democrática com o
respeito aos direitos humanos. Os fatos são incontestáveis, pois que todos os
dias eclodem pelo país inteiro denúncias de abuso de força, tortura e por vezes
de morte de civis, perpetradas por policiais militares no serviço de
policiamento civil.
Na grande
maioria dos países desenvolvidos o policiamento diuturno da sociedade é
realizado por polícias de natureza civil e com as atribuições do ciclo completo
de polícia, reservando-se para os confrontos com criminosos violentos e com
armamento pesado a atuação de equipes treinadas com táticas militares e com
resposta armada adequada a agressão criminosa, como realiza a S.W.A.T.
americana. Para esse tipo de ação a atuação da Polícia Militar é de fundamental
importância, pois que se requer nesse tipo de repressão criminosa uma ação
policial com tática militar, treinamento, equipamento e armamento de uso
restritivo. O policiamento de choque para controle de distúrbios civis e de
praças desportivas com grande aglomeração de pessoas, bem como os batalhões
especializados em ações de selva e salvamento são, por sua natureza e exigência
de treinamento especializado, uma atribuição natural e específica para a
Polícia Militar que nessa área realiza uma excelente prestação de serviço para
a sociedade.
Nesse
diapasão a evolução natural do aparelho policial brasileiro passa pela
atribuição do ciclo completo de polícia judiciária com a competência legal para
as polícias civis estaduais para o desenvolvimento de ações para a prevenção,
com o policiamento ostensivo, a investigação e repressão ao crime de forma
unificada, reservando-se para a Polícia Militar o controle de distúrbios civis
e as operações especiais táticas. Nesse campo de atuação, com tropa treinada
para o policiamento de choque, batalhões de operações especiais para
enfrentamento de confronto armado pesado, ações na área de defesa civil, além
do salvamento em terra e água, a Polícia Militar está perfeitamente
qualificada. Essa tropa com treinamento militar caberá a reserva do Estado
Brasileiro para a defesa interna e territorial funcionando como força reserva
do Exército e Força Nacional de Segurança Pública com atuação específica em
situações que ofereçam risco à segurança nacional.
O modelo
proposto é de fácil implantação, pois que as polícias estão relativamente
organizadas com paridade salarial de cargos nos estados, bastando-se para tanto
a redistribuição de efetivo, equipamento e instalações para a implementação de
uma polícia judiciária com atuação no Ciclo Completo de Polícia Judiciária e a
estruturação de uma Força Pública para utilização em situações de risco de
segurança tanto a nível estadual como nacional.
A
implementação legal desse novo sistema de segurança pública poderá ser
implantado através de uma PEC que promova a alteração do artigo 144 da C.F.,
modificando-se as atribuições das polícias estaduais, com previsão nas
disposições transitórias para a redistribuição dos efetivos e das instalações
das polícias militares utilizados no policiamento ostensivo. Dessa forma
caberia a Polícia militar a exclusividade no controle de distúrbios civis, a
polícia de operações táticas especiais e as ações de defesa civil e salvatagem
na terra e água. A Polícia Civil caberia a prevenção, policiamento ostensivo e
a investigação e elucidação de crimes com a competência exclusiva para a
formalização dos atos de polícia judiciária nas infrações de natureza civil.
Lei Complementar deverá criar e redistribuir os cargos necessários para a
polícia judiciária com atuação no ciclo completo.
A proposta
é factível e não ensejaria em aumento de gastos pelos Estados, uma vez que se
propõe readequar as polícias já existentes, com a redistribuição de funções,
efetivos e material, implantando-se um novo modelo de aparelho policial do
Estado. A Polícia Estadual com atuação no ciclo completo de polícia judiciária
deverá ter uma estrutura moderna para atuar nas diversas áreas de ações de
inteligência, prevenção uniformizada ostensiva, investigação e formalização dos
atos de polícia judiciária. Para tanto as antigas delegacias agora denominadas
Departamentos de Polícia terão nos seus efetivos policiais treinados e
equipados para atuar no policiamento uniformizado, além de agentes policiais
para atuação específica na área de inteligência e investigação e o corpo de
escrivães para a formalização cartorária dos atos de policia judiciária. As
ações de inteligência não se confundem com investigação. As primeiras dizem
respeito ao levantamento de informações para fundamentar as decisões
estratégicas e direcionamento do policiamento a ser desenvolvido, enquanto o
efetivo de investigação atua no caso concreto com a identificação do agente
criminoso e colheita de elementos de provas para a instrumentalização do
Ministério Público. A profissionalização e especialização de uma única polícia
na atuação no ciclo completo de polícia judiciária importarão inevitavelmente
numa substancial melhoria do sistema de segurança pública em benefício de toda
a sociedade civil.
A direção
desses Departamentos de Polícia caberá ao Delegado de Polícia Titular da unidade,
a quem incumbirá supervisionar a atuação dos Delegados de Polícia encarregados
de cada uma das áreas de atuação do Departamento, a saber, o Delegado de
Polícia do Setor de Policiamento Ostensivo; Delegado de Polícia do Setor de
Inteligência e Investigação; Delegado de Polícia do Setor de Polícia Judiciária
e o Delegado de Polícia do Setor de Plantão Policial. Os Departamentos de
Polícia manterão uma equipe diuturna, sob a presidência de um Delegado de
Plantão para a lavratura de autos de prisão em flagrante e termos
circunstanciados. O registro de boletins de ocorrências com a mera notícia de
crime será efetuado por funcionários distribuídos nos Postos de Atendimento e
Registro de Ocorrência Policial (PROPOL) localizados em setores estratégicos a
serem determinados pela densidade populacional e incidência criminal na cidade.
Tendo em
vista a complexidade das atribuições dos Departamentos de Polícia haverá a
necessidade de realocação destes nos prédios públicos remanejados da Polícia
Militar (batalhões), uma vez que o efetivo de policiais e equipamentos
necessitará instalações de maior porte. No entanto, com a realocação dos
edifícios ocupados pelos batalhões de área, o Estado não terá aumento de
despesas, pelo contrário, as despesas devem diminuir uma vez que as
características do efetivo policial civil, sem rancho e barbearia, por exemplo,
demandará menos gastos.
O
remanejamento do efetivo empregado pela PM no policiamento ostensivo também não
oferece dificuldade. Os soldados viriam como guardas civis, nível I – estágio
probatório e nível II – efetivados com até 15 anos; os praças graduados cabos,
sargentos e subtenentes teriam por designação o cargo de Inspetor de Polícia
nível I, II, III e Especial para o final da carreira. A promoção dos Guardas
civis de nível II será automática para Inspetor de Polícia nível I, decorridos
15 anos de carreira no bom comportamento. As promoções dos Inspetores de
Polícia, de acordo com o número de vagas abertas, serão baseadas na proporção
de 50% pelo critério de antiguidade, e, 50% por concurso interno, sendo
automática a cada 10 anos de efetivo serviço no cargo sem punição.
Os oficiais
da PM empregados no policiamento ostensivo e que optem pela transposição para a
Polícia Judiciária assumirão os cargos de Delegados de Polícia, com os níveis
correspondentes às suas patentes anteriores, com a atuação específica na
supervisão do setor de policiamento ostensivo, com as prerrogativas e
atribuições do Delegado de Polícia Judiciária.
Isto posto,
evidencia-se que com uma reengenharia do atual modelo policial brasileiro há
condições de se prestar um serviço de segurança pública com inegável melhoria
para a população, sem os atritos e os desvios de função que oneram as polícias
estaduais no sistema atual. Para tanto não se faz necessário aumento de efetivo
ou de despesas, mas tão somente uma mudança do sistema atual, já ultrapassado e
não condizente com o Estado de direito vigente, onde não há mais espaço para o
cerceamento de liberdades por instituição militar. A restrição de liberdades
civis só é possível dentro da lei e por órgãos civis do Estado. Aos militares
cabe tão somente a defesa do Estado brasileiro contra agressão externa, e,
excepcionalmente contra ação por agentes internos na forma da lei.
A
necessária modernização das polícias brasileiras no combate ao crime comum e
organizado, deve se pautar pelos ditames da lei, com respeito aos direitos
humanos, como o fazem a grande maioria das instituições policiais de países
desenvolvidos, onde não existe a figura militar.
O Ciclo
Completo de Polícia Judiciária representa a única saída possível, do atual
estado de incompetência das polícias estaduais para enfrentamento do crime e
oferecimento de uma segurança pública efetiva. A exposição de motivos esplanada
demonstra a viabilidade operacional e financeira na reengenharia do atual
modelo do aparelho policial estatal. Basta vontade política e compromisso com a
sociedade brasileira para a implantação das mudanças necessárias.
Julho de
2010.
ANEXO I
EMENDA
CONSTITUCIONAL
CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL CONGRESSO NACIONAL
EMENDA
CONSTITUCIONAL Nº __
Modifica o
Sistema de Segurança Pública nos Estados, estabelece normas e dá outras
providências.
As Mesas da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º do art.60 da
Constituição Federal, promulgam esta Emenda ao texto constitucional:
Art. 1º - O
artigo 144 e seus §§ 4º e 5º da Constituição Federal passam a vigorar com a
seguinte redação:
“Art. 144 -
A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é
exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio, através dos seguintes órgãos que integram o Sistema Nacional de
Segurança Pública:
I -
...........................................
IV -
polícias judiciárias estaduais;
V -
polícias militares e corpos de bombeiros militares.
§ 4º - às
polícias judiciárias estaduais, dirigidas por delegados de polícia de carreira,
exercem com exclusividade, ressalvada a competência da União, as funções de
polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares, bem
como o policiamento ostensivo e as ações necessárias para a prevenção e
repressão ao crime.
§ 5º - às
polícias militares cabem a preservação da ordem pública no controle de
distúrbios civis, policiamento em praças desportivas e as ações de operações
especiais em situações de alto risco, além da manutenção dos corpos de
bombeiros militares e a execução de atividades de defesa civil, sendo a base da
Força Nacional de Segurança com as atribuições definidas em lei.
Art.2º -
Insere o § 3º no artigo 89 nas Disposições Transitórias da Constituição Federal
com a seguinte redação:
§ 3º - Os
Estados disciplinarão em lei complementar as redistribuições dos equipamentos,
materiais e imóveis da Polícia Militar para a Polícia Judiciária Estadual, bem
como os efetivos policiais necessários para o policiamento ostensivo, garantido
o direito de opção para os policiais militares para remanejamento para quadro
em extinção, para a reestruturação dos órgãos policiais para o cumprimento do
dispostos nos parágrafos 4º e 5º do artigo 144.
Art. 3º -
Esta Emenda Constitucional entra em vigor 45 (quarenta e cinco) dias após sua
promulgação.
Brasília, x
de x de 2010
Mesa da
Câmara dos Deputados
Mesa do
Senado Federal
* O autor é
bacharel em direito pela Faculdade Católica de Direito de Santos. Ingressou na
carreira policial em 1980 como Soldado da Polícia Militar de São Paulo, onde
alcançou a graduação de 2º Sargento. Em 1989 assumiu o cargo de Investigador de
Polícia, tendo exercido a função até aprovação no concurso para Delegado de
Polícia em 1994. É autor de vários artigos relacionados à Segurança Pública
publicados em páginas de diversos sites na Internet. Contato por e-mail:
juvenalmarques2010@gmail.com .