Disponível em: http://blogs.estadao.com.br/ocaso-policial/tiros-na-noite/
Acesso em: 03.11.2012
OCASO
POLICIAL
Crime e poder
na era dos direitos
02.novembro.2012
12:26:57
TIROS NA
NOITE
São Paulo é
palco de duas guerras distintas. Numa delas a troca de tiros se dá entre
policiais militares e criminosos ligados ao Primeiro Comando da Capital. A
outra, menos sangrenta mas também destrutiva, foi uma guerra de palavras entre
o Ministério da Justiça e a Secretaria de Segurança de São Paulo, cada lado
culpando o outro pela crise estabelecida. Ao que tudo indica essa segunda
disputa arrefeceu, São Paulo aceitou negociar os termos de um auxílio federal.
Já a
primeira guerra continua quente e produzindo baixas. Morreram dezenas de
policiais enquanto o outro lado contabiliza um número ainda incerto de vítimas.
Ha mais de dois meses discutíamos neste blog a batalha que, a noite e na
surdina, era travada na periferia. Policiais executando suspeitos, criminosos
assassinando policiais em emboscadas planejadas e a volta de uma modalidade que
havia saído de cartaz há anos do noticiário paulista, chacinas praticadas por
grupos de extermínio na periferia.
Resumindo o
artigo anterior, os motivos para a volta de violência em grande escala são:
1. Quebra
das regras de convivência entre policiais e criminosos, que implica em que o
criminoso que se rende vai preso mas não morre
2. Fim de
um acordo insustentável entre a direção da segurança pública de São Paulo e o
PCC.
O segundo
motivo é mais recente. Embora a Secretaria de Segurança negue, é evidente que
houve um pacto, mesmo que não explícito, entre os dois lados. Os quase seis
anos de paz com o PCC não caíram do céu. Depois da demonstração de força de
2006 essa organização criminosa sumiu do noticiário. Silêncio nos presídios,
onde as constantes rebeliões acabaram como um passe de mágica, silêncio nas
ruas, onde policiais civis eram proibidos de mencionar o Primeiro Comando da
Capital para a imprensa, silêncio na Secretaria de Segurança, onde a nem se
admitia a existência do “partido”, como o pessoal do metier chama o PCC.
Deu no que
deu. Em algum momento dos últimos meses o acordo que mantinha o PCC discreto e
a Secretaria paralisada foi rompido. Não interessa porque ou por quem. Não
podia durar porque, além de ilegal, pois as polícias tem obrigação de agir
contra todo e qualquer grupo criminoso, também era um acordo imoral, já que
alicerçado sobre o cadáver de dezenas de policais mortos em 2006.
E quem
ganhou com esses cinco anos de trégua foi a organização criminosa, que teve
tempo para aumentar seu poder nos presídios e crescer nas ruas. E por conta
disso os corpos se avolumam e a chefia da segurança paulista não consegue
estabelecer uma estratégia para enfrentar a crise, simplesmente nega os fatos e
esconde a cabeça na areia.
O problema
é que para pensar numa estratégia é necessário reconhecer que existe um
problema, e o comando da segurança paulista demorou demais. Para controlar a
situação são necessárias medidas para conter os dois lados. É preciso apaziguar
parte da polícia que quer vingar os companheiros mortos e controlar o crescente
poder do PCC, além de punir os responsáveis pelos homicídios. Nenhum desses
objetivos é de curto prazo. Os donos da segurança deixaram a crise ir longe
demais.
Por conta
disso qualquer política de segurança que procure cumprir estas metas tem de
atacar em várias frentes. Nas conversas com gente do ramo todos mencionam cinco
medidas que tem de começar imediatamente para que possamos sair da crise e
voltar ao status quo, a insegurança normal que vive o paulistano. As medidas
recomendadas pelos especialistas são:
- Apertar
com o PCC tirando dele o controle dos presídios. Enquanto essa organização
mantiver o domínio nos presídios vai continuar crescendo. O criminoso
profissional adere ao PCC porque sabe que um dia ou outro acaba em cana, e aí a
melhor coisa é ser amigo de quem manda na cadeia.
- Mandar os
líderes do crime para o isolamento, dificultando a comunicação com os
cúmplices. A quase totalidade dos que mandam na organização criminosa está em
presídios comuns. Desde 2006, quando o acordo PCC x Segurança entrou em vigor,
apenas um líder (codinome Tiriça) foi mandado para o RDD (Regime Disciplinar
Diferenciado), e isso só ocorreu neste ano. Aliás supõe-se que foi um dos
motivos das represálias dos criminosos.
- Criar uma
força tarefa com PM e PC para investigar os homicídios de policiais. Uma das
regras não escritas, e que foi deixada de lado, é dar prioridade a investigação
dos homicídios cujas vítimas são policiais. O motivo dessa regra é simples: se
o Estado não identificar e punir quem mata um policial, existe uma grande
probabilidade de que seus colegas resolvam se vingar as margens da lei. E no
nosso caso com um agravante, pois na maior parte dos casos não foram
identificados os matadores. Sem saber quem foi o autor dos crimes alguns
policiais acabam exercendo a vingança contra qualquer bandidinho ou pessoa que
pareça criminoso.
-
Investigar de fato as mortes praticadas por supostos grupos de extermínio. Já
tivemos três períodos nos últimos 30 anos em que a Polícia Civil criou grupos
especiais para conter determinados grupos de matadores. Na década de 80 quem
mais matava eram os Pés de Pato, Justiceiros, etc. Matadores da periferia que
matavam por contrato com comerciantes da região. Alguns anos atrás foram os
grupos de extermínio constituídos por PMs, que faziam a mesma cosa escondidos
atrás da farda. Em ambos os casos foram criados grupos para investigar estes
crimes, muitos matadores foram presos o número de homicídios baixou muito na
década passada.
- Criar um
grupo que investigue o dinheiro do PCC. No mundo inteiro a regra número um no
combate as organizações criminosas é localizar e apreender o dinheiro ganho
ilegalmente. Sem capital qualquer grupo criminoso perde poder e prestígio.
Parece que temos dificuldade em seguir essa receita. Aparentemente as polícias
e o Ministério Público não estão interessados em seguir esta trilha longa e que
dá pouco Ibope.
Nenhuma das
5 ações vai produzir resultados imediatos, mas são necessárias e quanto mais
tarde iniciarem pior para todos nós, que teremos que continuar no meio de uma
guerra, servindo de alvo para ambos os lados. E não se engane o leitor se, de
repente, as mortes diminuírem. Pode ser apenas uma volta aos termos do antigo
acordo, o que acabará por dar ao PCC tempo para respirar e aumentar o poder,
começando um novo round daqui algum tempo.
Guaracy
Mingardi