Disponível em:
http://flitparalisante.wordpress.com/2012/10/15/policia-militar-brasileira-e-instrumento-das-elites-diz-jose-afonso-da-silva/ Acesso em: 17 out. 2012
“Polícia militar brasileira é instrumento das
elites”, diz José Afonso da Silva
15/10/2012
Em quatro anos, o então secretário estadual de
Segurança diminuiu a quase zero as mortes em abordagens da polícia em SP
Foto: STF / SECS-PR / Divulgação
Rachel Duarte
Elogiado por combater os abusos e mortes de umas das
polícias militares mais violentas do país, o jurista e ex-secretário estadual
de Segurança Pública de São Paulo José Afonso da Silva afirma que o ciclo
vicioso que protege os abusos cometidos pela polícia militar é antigo e
trabalhoso para mudar. O homem que reduziu de 60 para próximo de zero o número de
mortes em abordagens policiais das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota),
entre os anos de 1995 a 1999, conta que fiscalizar os policiais e oferecer
atendimento psicológico foi um caminho encontrado na época. “Ninguém que mata
outra pessoa está em condições emocionais normais”, acredita.
Mineiro e residente desde 1947 em São Paulo, o
indicado pelo ex-governador Mário Covas é especialista em Direito
Constitucional e acredita na união das polícias para redução da violência
policial. “A Polícia Militar não precisa acabar, mas deveria ter funções
reduzidas e ser subordinada à Polícia Civil”, afirma em entrevista
ao Sul21. Mesmo afastado da área há 15 anos, ele mantém opiniões que
servem para compreender casos atuais como o recente conflito entre a Brigada
Militar e manifestantes em Porto Alegre. “Não precisamos de casos tão
agressivos para que os governos mudem de postura. É preciso sempre apurar os
fatos antes de fazer a defesa da polícia”, diz.
“Não é função da policia combater inimigos, fazendo
ela própria o julgamento. Mesmo que seja um delinquente, nunca a reação deve
ser agressiva demais ou para matar”
Sul21 – Há um grande número de denúncias de abuso da
polícia militar no Brasil. O senhor acredita que este problema se resolveria
com qualificação da formação policial ou mesmo com o fim da policia militar,
como sugeriu a ONU ao Brasil?
José Afonso da Silva – Não acredito que a forma
mais radical seja a adequada. O que eu proponho e propus quando fui secretário
foi unificar as polícias. A polícia repressiva ostensiva funcionaria dentro da
Polícia Civil. Existiria uma força policial militar com atuação bastante
reduzida. A força fardada ou uniformizada nas ruas é necessária, no meu
entender, para situações especiais, como dissuasão de conflitos de ruas mais
sérios, que necessitassem de controle. Não acredito que precise acabar com a
polícia militar, portanto. É preciso ter esta força ostensiva orientada e
controlada dentro da Polícia Civil. Teríamos o policiamento ostensivo nas ruas
e a polícia judiciária para investigar os crimes e encaminhar processos
criminais.
“Os policiais militares que atuam em São Paulo estão
sofrendo violências muito grandes. É uma guerra que não era para existir”
Foto: Fábio Riesemberg / UniBrasil
Sul21 – O senhor chegou a apresentar uma proposta de
integração das polícias no governo Fernando Henrique Cardoso. A proposta,
porém, não prosperou. Por quê?
José Afonso da Silva – Foi podado, na época
pelo José Gregori (ex-secretário dos Direitos Humanos do Ministério da
Justiça). Ele tentou formar uma Comissão para analisar o assunto, mas no final
das contas não vingou. Não acho que seria uma solução para todos os problemas
da segurança, mas seria importante para evitar a violência policial.
Sul21 – O treinamento das polícias as prepara para o
policiamento ostensivo e a abordagem policial correta?
José Afonso da Silva – A Polícia Militar não
faz guerra, quem faz guerra é o Exército. Os soldados do Exército é que são
treinados para combater. Nas guerras é que o objetivo é a morte de inimigos. O
problema é que a Polícia Militar quer imitar as Forças Armadas e sair
combatendo inimigos, o que não é sua função. A segurança externa do país e
eventuais conflitos armados externos em que o Brasil participa são funções das
Forças Armadas, onde se exige o enfrentamento letal para vencer a guerra. No
trabalho da polícia se combatem delinquentes, na medida em que eles possam ser
submetidos a um julgamento justo e condenados ou não pelo Judiciário. Esta é a
função da polícia. Não é função da policia combater inimigos para matar,
fazendo ela própria o julgamento nas ruas. Isso não quer dizer que o policial
que está na rua fazendo o seu trabalho e eventualmente for agredido não possa
reagir. Ele deve reagir, mas, mesmo que seja um delinquente, nunca a reação
deve ser agressiva demais ou para matar.
Sul21 – O que o senhor fez para melhorar os índices
de mortes cometidas pelos policiais militares?
José Afonso da Silva – Foram feitas várias
coisas. Primeiro eu tentei estabelecer uma fiscalização para verificar a
violência policial tanto na Policia Militar como na Policia Civil. Criei
um ombudsman na secretaria para isso. Eu também chamei o comandante e
mandei tirar os matadores da rua. Quem estivesse executando as pessoas deveria
ser retirado do trabalho externo. Também criei o programa Proar, que tirava o
policial matador da rua e oferecia atendimento psicológico de seis meses. Neste
período ele ficava apenas circulando no centro da cidade, sem participar de
operações. Nós pressupomos que qualquer pessoa que mata a outra tem sérios
problemas a resolver. Mesmo quando a PM diz que é em defesa própria, isso não
pode ser interpretado como uma coisa natural. Se eu matasse alguém me sentiria
muito mal, por exemplo. O policial que estava com comportamento de risco era
afastado das ruas e fazia um policiamento a pé, dentro do conceito de polícia
comunitária. Os policiais militares que atuam no sistema atual de segurança em
São Paulo estão sofrendo violências muito grandes. Estão ocorrendo muitas
mortes de policiais militares. A Polícia Militar que provoca violência recebe
violência. É o que está acontecendo. Uma guerra que não era para existir.
Nenhum cidadão deve morrer e nenhum policial deve matar. Violência sempre
provoca violência, em qualquer situação.
“Existem os exploradores da insegurança. O
sentimento de insegurança muitas vezes é criado por interessados em explorar
isso de forma política”
Sul21 – Como o senhor, que defende a cultura da
não-violência e da preservação da vida na atuação policial, avalia a eleição do
Coronel Telhada a vereador de SP, com expressiva votação — mesmo com 29
processos por homicídio e 36 mortes em ação?
José Afonso da Silva – Como eu avalio… (respira
fundo) Existem os exploradores da insegurança. Este sentimento de insegurança
muitas vezes é algo criado pelos interessados em explorar isso em benefício
próprio. Na área da segurança, há uma exploração política do tema para se
eleger sujeitos que seriam os supostos combatentes da insegurança. Isto
funciona, e alguns até se elegem bem. Mas chegará um momento em que o povo
perceberá que isto é exploração da insegurança e não os elegerá mais. O coronel
Erasmo Dias (ex-deputado federal) também tinha esta mesma natureza, se elegeu
uma vez e não se elegeu mais. Estes sujeitos vão perdendo substância conforme o
tempo passa, porque as pessoas enxergam que são pessoas que não contribuem em
nada com a segurança. São oportunistas. Isso é assim. Sempre tem alguém para
explorar a pena de morte ou outros temas para se eleger.
Para jurista, frase de Alckmin sobre “quem não
resistiu estar vivo” estimula violência policial no estado de SP
Foto: IAB /
Divulgação
Sul21 – O senhor criticou a fala do governador
Geraldo Alckmin, que após ação polêmica da Rota em Várzea Paulista (SP)
referiu-se aos nove mortos pela polícia dizendo “quem não resistiu, está vivo”.
Em que medida declarações como esta acabam endossando práticas excessivas e
deixando os comandos impunes quando elas ocorrem?
José Afonso da Silva – Esta frase acabou
gerando um problema subliminar, uma aprovação por parte do governador ao
episódio que ocorreu. Não pode ser aprovada a atuação da Polícia Militar sem
antes apurar o que houve. Se houve ação correta, se aprova. Se o governador
fala uma coisa dessas é porque ele não quer apurar. É um estímulo à violência
policial.
Sul21 – Aqui no RS, há muitos registros de casos de
violência policial envolvendo racismo e preconceito de classe. Além disso,
tivemos recentemente um grande confronto no Largo Glênio Peres, em torno de uma
suposta tentativa de atacar o boneco de plástico que representava o mascote da
Copa no Brasil. Isso está gerando uma grande discussão sobre eventuais excessos
de força da Polícia Militar…
José Afonso da Silva – Não precisamos de
processos tão agressivos como este que você relata para que seja necessária
apuração da força policial empregada. Sempre é necessário apurar o que houve.
Depois, se for o caso, faz-se a defesa da ação policial. “Sempre que há greve, a tendência da polícia é
combater a greve e os grevistas. Toda vez que há envolvimento de elites, sempre
a policia age na proteção do empregador”
Sul21 – A polícia costuma dizer que age com mais
violência ao defender-se de ataques de manifestantes. Qual a abordagem correta
em conflitos ou manifestações públicas e democráticas, que geralmente terminam
em confronto com a polícia?
Ex-secretário de Segurança de SP diz que segurança
não é só problema de polícia: “É preciso fazer segurança social, alcançar uma
estabilidade emocional na população”
Foto: OAB-MG / Divulgação
José Afonso da Silva – Tem que haver muito cuidado nesta atuação. No período em que fui secretário, (constatamos que) sempre que havia greve a tendência da polícia era combater a greve e os grevistas. Bater, espancar. E eles (grevistas) estavam participando de manifestações legitimas! Eles estavam exercendo um direito, o de reivindicar por condições de trabalho. Não podem ser espancados. Eu não deixei isso acontecer na minha gestão. A polícia tem sido um instrumento de proteção das elites. A greve é um direito. Ação de dissuasão dos grupos só se houver algum exagero dos manifestantes. Toda vez que há envolvimento de elites, sempre a policia age na proteção do empregador. É tão vicioso este sistema, em que o Estado permite a ação da polícia em prol das elites, que na minha época como secretário, uma determinada associação me pediu para comprar 2 mil policiais a cuidar de uma área privada. Evidentemente que eu vetei, disse que não iria fazer. Se eu colocar um efetivo do Estado deste tamanho trabalhando para a iniciativa privada, quem irá fazer o policiamento de outras áreas da cidade, das periferias?
Sul21 – O senhor acredita na polícia pacificadora ou
comunitária, principais modelos de política pública implantados nos governos do
PT na presidência do país?
José Afonso da Silva – O governo federal não
tem política de segurança. A Secretaria Nacional de Segurança não tem políticas
concretas. Mas, a bem da verdade, cabe aos estados a execução das políticas de
segurança. A competência da União é administrar a atuação da Polícia Federal e
combater o problema das fronteiras do país. Eu estou há anos afastado da
segurança pública e não vejo muito avanço desde a época que eu atuava. Houve
alguns avanços sociais e econômicos no país que são significativos. Mas
segurança não é só problema de polícia. É preciso fazer segurança social, que
se faz com equipamentos e serviços para se alcançar uma estabilidade emocional
na população. Os conflitos e a violência são gerados e se tornam problemas de
segurança pública quando há ausência de assistência às necessidades básicas do
povo. Se fossemos uma sociedade mais justa, não teríamos tanta dramaticidade
nos episódios de violência. As desigualdades profundas causam revoltas que
geram a violência. É errado pensar na população mais pobre como mais violenta.
O pobre não é violento. São as condições em que ele vive que, se não forem
combatidas, podem levar à violência.