Disponível em: http://adpesp.org.br/artigos_exibe.php?id=210
Acesso em: 17 out. 2012
15/10/2012 – São Paulo: O Estado
novamente sob ataque
Autor:
Por Juvenal Marques Ferreira
Filho
A dicotomia
antagônica – contra fatos não há argumentos – parece ser desconhecida do
governo do Estado de São Paulo. O morticínio de quase 100 policiais militares e
de aproximadamente 3.000 civis, não vou precisar os números uma vez que nesse
momento a estatística pode ter subido, não são suficientes para que o governo
admita que esteja sob ataque do crime organizado. Aliás, a tônica do governo,
desde a origem da facção PCC no ano de 1994, foi sempre a da negação. Primeiro
a facção não existia, depois não era organizada, e por derradeiro não controla
o crime no Estado de São Paulo.
Segundo
Freud – A Negação é a tentativa de não aceitar na consciência algum fato que
perturba o Ego. Noutras palavras – A Negação é a forma que o consciente se
utiliza, quando se depara com um problema para o qual não encontra solução ou
contraria aquilo que se quer acreditar. Diante do topor causado pelas ações
contundentes do crime, o discurso apresentado tem sido de que – as execuções
são uma reação do crime as ações da política de segurança pública adotada.
Embora não no sentido de que o governo quer fazer a população crer, realmente
esses ataques covardes são sim uma reação a falta de política de segurança vigente
há muitos anos neste Estado. O mote de que a política de segurança está no rumo
certo tem sido repetido insistentemente pelo governo, na tentativa de incutir
na mente da população uma verdade forjada. Um certo regime político que surgiu
na Europa nos anos de 1930 criou um ministério de propaganda, cuja filosofia se
baseava na idéia de que – uma mentira repetida várias vezes obtém credibilidade
de uma verdade. Infelizmente a sociedade, numa letargia incrível, a imprensa,
essa por motivação política ou comercial e órgãos de fiscalização do Estado,
dependentes financeiramente do poder executivo, nada tem feito para obrigar o
governo a mudar o rumo do modelo de segurança adotado. O caos não se instala de
uma hora para outra. O processo é por vezes lento, contínuo e silencioso. No
Estado de São Paulo não foi diferente.
Os
equívocos, propositais ou decorrentes da incompetência, vêm há muitos anos com
a escolha de pessoas sem o conhecimento exigido para chefiar a segurança
pública e a administração penitenciária. Os erros crassos cometidos na
administração penitenciária são inacreditáveis, desde a negação da existência
dessa organização, com absoluta omissão na sufocação desse organismo, quanto
pela propagação da facção com a distribuição de suas lideranças por presídios
de todo o Estado. A metástase do tumor cancerígeno não enfraquece a doença,
pelo contrário, mata o doente. As decisões desastrosas na administração
conduzem a constatação da total incapacidade dos diversos titulares da pasta.
Na segurança pública, no entanto, se resolveu adotar uma política militarista,
a começar com a escolha de vários secretários oriundos do oficialato da polícia
militar, que apostaram na doutrina do confronto com morte.
Nesse
diapasão a polícia militar amealhou investimentos na dotação de armamentos e
aumento nominal de efetivo. Digo nominal, porque na prática houve uma dispersão
de policiais militares em várias outras áreas, a disposição de secretarias, do
Ministério Público e tantos outros órgãos. Aliás, a polícia militar passou a se
constituir braço armado do MP, que hoje faz investigação, a bem da verdade
somente no varejo midiático, e inclusive representa em juízo pela expedição de
Mandados de Busca a serem cumpridos pelos milicianos. Tudo ao arrepio do
arcabouço jurídico nacional. Alegam ser necessário uma flexibilização na
interpretação da lei a pretexto da defesa da sociedade. Nesse particular faço
um parêntese – a grande maioria dos regimes de exceção surgiu com a
interpretação conveniente da lei em favor daqueles que alegaram querer proteger
a sociedade civil. Num passado não muito distante podia se avistar policiais em
dupla policiando as ruas, comércio e até em salões de bailes havia um
policiamento preventivo, bem diferente do que ocorre hoje, embora o governo
diga que a polícia esta fazendo seu trabalho.
A grande
indagação é qual polícia e qual trabalho? A polícia militar há muito deixou de
ser preventiva, se constituindo numa polícia de embate. Quando digo polícia de
embate, não quero absolutamente dizer que esse não deva ocorrer quando
necessário, muito pelo contrário. Mas não se pode olvidar da função
constitucional de policiamento preventivo da polícia militar, que ultimamente
tem tentado substituir a polícia civil com arremedo de investigações e prisões
no varejo para reforço das estatísticas do governo. Engana-se a sociedade com
altos índices de prisões de pequenos traficantes espalhados pelas vielas da
periferia, enquanto não há uma efetiva investigação sobre quem financia,
importa e distribui a droga no Estado. Confundem inteligência policial com o
simples ato de fazer escutas telefônicas e, ainda divulgam na mídia como
obtiveram as informações. Esses amadores prestam um grande desserviço à
sociedade. A Inteligência Policial deve subsidiar a polícia com informações,
não somente para o direcionamento do policiamento preventivo em áreas
específicas, como também para o conhecimento das organizações criminosas,
liderança e organograma, área de atuação, logística, etc., que auxiliarão
sobremaneira na investigação do crime, quando a prevenção falhar. Portanto, a
Segurança Pública de qualquer Estado deve, no mínimo, se basear no tripé –
Inteligência Policial, Policiamento Preventivo e Polícia Investigativa.
Evidentemente essas atividades devem ser desempenhadas pelas polícias com suas
competências delimitadas, devidamente estruturadas, aparelhadas e treinadas
para o exercício de seu mister.
A Polícia
Civil de São Paulo, cujo papel constitucional é a investigação, foi, por sua
vez, sistematicamente sucateada. Nos últimos anos os poucos concursos
realizados não preencheram nem as vagas decorrentes de aposentadorias e
exonerações. As instalações das delegacias são péssimas, há carência material e
de funcionários. Em decorrência disso e do aumento exponencial da população de São
Paulo, as poucas equipes de investigação nos distritos policiais não conseguem
investigar nem 10% dos boletins registrados. A polícia que tem por função
constitucional investigar, hoje mal consegue cumprir os expedientes decorrentes
dos procedimentos e requisições judiciais. Não bastasse tudo isso, a falta de
uma política salarial para valorização das polícias, tanto civil como militar,
empurrou seus integrantes para as periferias das cidades, com muitos destes
morando em favelas, tornando os policiais reféns da marginalidade. O resultado
não poderia ser outro. Expostos, desmotivados e acuados, os policiais passaram
a serem alvos do crime organizado. Esses fatos em outro país teriam gerado
apuração de responsabilidade.
O problema
grave que se instalou no Estado é decorrente da incompetência e da falta de
política de segurança. O governo está aturdido e não sabe o que fazer, e se
defende negando o óbvio ululante, com declarações do tipo: – “O PCC, que
alegavam não existir, não domina os presídios e o crime organizado”, “O PCC não
está por trás das mortes de policiais”, “Não há grupos de extermínio compostos
por policiais militares”, “Os casos pontuais de confronto são frutos da reação
do crime pelas excelentes ações na área de segurança pública”.
O governo
precisa urgentemente elaborar e implementar ações efetivas na adequação das
polícias ao cenário de violência que impera no Estado de São Paulo. Isso exige
investimento real na contratação de policiais, treinamento e aparelhamento dos
agentes que defendem a sociedade, com um salário digno e compatível com o risco
de morte, até que para que se apresentem candidatos capacitados dispostos a
abraçar uma carreira com tantos perigos. A Colômbia somente reverteu os altos
índices de criminalidade com aplicação de parte do PIB em segurança pública. Os
policiais colombianos passaram a ter um salário compatível com o risco
enfrentado, inclusive com a construção de condomínios exclusivos para os
policiais, a fim de evitar que suas famílias se tornassem reféns da criminalidade
vizinha. Os motociclistas obrigatoriamente têm inscrito a placa do veículo nos
capacetes. Essas e outras ações são frutos de um plano de segurança pública
levado a sério no país vizinho.
São Paulo
necessita de um pacto contra a criminalidade e de uma política de segurança
elaborada por profissionais envolvidos diretamente no combate ao crime. Basta
de planos de segurança politicamente corretos elaborados por sociólogos,
psicólogos, promotores, advogados, etc. Não obstante valorosos, esses
profissionais devem se ater a sua área de atuação.
Os índices
de mortes diárias em São Paulo têm superado países em guerra. A polícia está
sendo caçada por criminosos que tem instruções de matar policiais na frente de
suas famílias. A tropa está se sentindo encurralada e abandonada pelo comando.
Ninguém se engane, a reação virá, ainda que na forma de esquadrões da morte.
Aliás, as últimas ocorrências de chacinas indicam que caminhamos para a
barbárie, não àquela do “olho por olho”, mas a que sanciona “dez mortes por cada
vida tirada”.
São Paulo,
o Estado novamente sob ataque.
O autor é
bacharel em direito pela Faculdade Católica de Direito de Santos. Ingressou na
carreira policial em 1980 como Soldado da Polícia Militar de
São Paulo, onde alcançou a graduação de 2º Sargento. Em 1989 assumiu o cargo de
Investigador de Polícia, tendo exercido a função até aprovação no concurso para
Delegado de Polícia em 1994.
Contato por
e-mail: juvenalmarques2010@gmail.com.