22 de abr. de 2012

Prefeituras socorrem delegacias


Transcrição da matéria publicada no Jornal Correio Popular de Campinas no dia 02.04.2012 pelo Sinpol Campinas, referente a grave situação de falta de funcionários nas Delegacias da Região Metropolitana de Campinas.

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA III CESSÃO

Prefeituras socorrem delegacias

Servidores municipais emprestados já são um quarto do total de funcionários dos DPs na RMC

Natan Dias

DA AGÊNCIA ANHANGUERA

A transferência de servidores municipais às delegacias policiais do Estado tem sido uma alternativa para suprir o déficit de funcionários públicos nesses estabelecimentos na Região Metropolitana de Campinas (RMC). Nas 19 cidades da região, de um total de 1290 servidores nas delegacias, 304 são cedidos pelas prefeituras, o que corresponde a quase um quarto do total (24,5%)

Atuação política tenta fazer com que Estado libere mais policiais

    Por trás do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) elevado e dos muros dos condomínios de alto padrão de Vinhedo, está um problema que afeta a todos os municípios da RMC: a falta de funcionários do Estado nas delegacias de polícia. O improviso, na transferência de servidores municipais para exercer funções administrativas nas delegacias, foi a saída encontrada e é praticada em todos os municípios. Além de Vinhedo, pelo menos outras dez cidades da RMC possuem mais funcionários municipais que estaduais em suas delegacias de polícia. Pedreira, Paulínia, Nova Odessa e Itatiba estão fichadas nos números divulgados pelo Sindicato dos Policiais Civis da Região de Campinas (Simpol-Campinas). Até mesmo Indaiatuba , que recentemente entrou em 8º lugar no ranking das melhores gestões públicas do Estado, segundo índice Firjan, entra na listagem.

    Em Vinhedo, a situação ficou exposta após a morte da jovem Gabriela Yukay Nychymura, 14 anos, no parque de diversões Hopi Hari. Com o volume de trabalho gerado pelo caso, investigações de outros crimes que aconteciam na cidade ficaram acumuladas. O número reduzido de funcionários públicos estaduais que podem realizar, especificamente, a atividade típica policial fez com que as demais investigações simplesmente parassem. A estrutura da segurança pública, da qual a “terra da uva” tanto se gabou, mostrou que dá sinais de ruínas, bem como nas demais cidades mostradas no levantamento do Sinpol.

    Por trás da tragédia ocorrida no parque de diversões está ainda a dificuldade na investigação de crimes. O mesmo acontece nos outros municípios. O quadro é de uma grande quantidade de servidores municipais e a ausência dos estaduais locados nas delegacias. As funções que os empregados cumprem são apenas administrativas, mas não raro guardas  e outros funcionários municipais realizam o transporte de armas, drogas e outros objetos de crimes para a delegacia seccional, com carro próprio e sem o preparo ou reforço de armamento necessários.

    Os cargos que mais sofrem substituição são os administrativos, comoos de elaboradores de boletim de ocorrência(BO) e, até mesmo, escrivães. Segundo o presidente do Sinpol, Aparecido Lima de Carvalho, há municípios que sequer contam com um delegado próprio. “ Há casos em que ele (o delegado) trabalha em dois municípios. A didade fica sem plantão. A situação está crítica”, afirmou Carvalho.

    Segundo Odete Medauar, professora titular de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), não há ilegalidade se os funcionários não cumprirem a atividade típica policial. “Ele não pode investigar, prender, procurar criminosos, enfim, mas realizar funções administrativa, se foi tudo formalizado e publicado em Diário Oficial, não há problema. Mas existe um teto estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que limita o gasto com pessoal. Isso pode vir a ser um problema”, explicou.

    No exemplo de Vinhedo, em breve o município pode ficar sem nenhum escrivão. “Nesse caso, é esquisito, pois tem uma carreira específica. Falta alguém para chefiar o trabalho dos servidores municipais. Isso não pode”, afirmou a professora. Segundo ela, é preciso que seja providenciado antes um profissional na área para que não haja desfalque.

Ajuda

    Há menos de um mês, uma quadrilha especializada em roubos a condomínios tirava o sono da Polícia Civil de Vinhedo. Na última ocorrência, uma das vítimas foi estuprada. Foi quando policiais civis de Campinas foram chamados para ajudar a solucionar o caso. Presos os suspeitos uma semana após o crime, na semana passada um novo assalto foi registrado dentro desses condomínios.

    “Fazemos um trabalho político para forçar o Estado a mandar mais policiais, mas eles vêm nossos índices e dizem que ‘nós vivemos em um paraiso’. Então, vai deixar virar um inferno para fazer alguma coisa? A linha de raciocínio deles é que tem que esperar ficar ruim para colocar mais gente para trabalhar aqui? Não podemos trabalhar na prevenção? Depois, quando precisa, mandam para apagar o fogo. Se não colocássemos funcionários municipais, a delegacia parava”, disse o secretário de Transporte e Defesa Social de Vinhedo, Antônio Luiz Falsarella.

    Segundo Odete, o secretário está correto em reclamar. “Estou de acordo. Pode ser que seja um paraíso, mas é assim, talvez, pelo número de pessoas que já teve no passado. O bandido vai ficar feliz com essa redução e vai lá estragar. A reposição precisa ser feita por isso. Não é o caso de esperar esvaziar para repor essas pessoas”, declarou. Atualmente, Vinhedo conta com 174 guardas municipais (GMs) e 45 policiais militares (PMs) e quatro investigadores de polícia. “Com eles (PM), conseguimos fazer um convênio e eles recebem um pro-labore, mas obtivemos sucesso com a Polícia Civil. A diferença de salário aqui para quem trabalha em Campinas faz com que ninguém queira vir, porque esse dinheiro faz falta no final do mês”, explicou o secretário.

Estado

O Estado hoje fornece dois escrivães e quatro investigadores para a cidade, que tem aproximadamente 65 mil habitantes. Esse número ainda passará para 1 e 3, respectivamente, até junho, pois dois funcionários estão prestes a se aposentar. A solução que restou, como em todos os municípios da RMC, foi o improviso. Quinze funcionários públicos municipais ocupam cargos administrativos na delegacia, inclusive o de escrivão.

    A Administração municipal fornece mais empregados que o Estado, que disponibiliza 12 funcionários concursados. Um deles, inclusive, está em desvio de função. A revolta dos policiais aumentou ainda mais depois o nível universitário passou a ser exigido nos concursos, porém, sem a adequação da faixa salarial.

    “Ganhamos igual a quem tem nível médio. O governo se propôs a resolver isso, mas não se mexeu até agora. O prazo está se esgotando e a nossa impressão é de descaso. Estamos juntando moções aprovadas pelas câmara municipais de cada município para tentar sensibilizar o governo”, afirmou o presidente do Sinpol-Campinas.

    Com um escrivão e dois investigadores, já que um destes responde pela Ciretran de Vinhedo e não participa dos inquéritos, o delegado titular da Polícia Civil de Vinhedo, Álvaro Santucci Noventa Júnior, afirmou que há acumulo de trabalho e os casos “menos relevantes” ficam para trás no processo investigatório. “Nosso maior problema aqui na delegacia é esse: a falta de funcionários. Eu precisaria de pelo menos mais três escrivães, dois investigadores e um delegado para ficar de plantão. Tenho que dar atenção a todos os casos, mas os mais relevantes tomam a frente. Não posso deixar nenhum de lado, mas o que acontece é um acúmulo”, explicou Santucci.

Pedreira

    Outro caso crítico é o de Pedreira, que tem duas delegacias e 22 empregados municipais em postos de funcionários públicos estaduais da Secretaria de Estado da Segurança Pública – que tem apenas 13 cargos na cidade. O prefeito e presidente do Conselho de Desenvolvimento da RMC, Hamilton Bernardes (PSB), disse que o assunto foi levado ao governador Geraldo Alckmin (PSDB), que ficou “sensibilizado” com a situação. “Estamos aguardando uma solução do governador, mas ele não deu prazo para isso. Esperamos que essa situação seja revertida”, disse Bernardes.

    Ele declarou que colocou servidores municipais nas delegacias, pois sabe da importância de tê-los nas funções administrativas. “Existem vários serviços que podem auxiliar e, no que pudemos atender, vamos trabalhar para isso.” Entretanto, Bernardes disse que não sabe se o assunto está na agenda da próxima reunião dos municípios da RMC. “Mas qualquer prefeito pode levantar a questão para debater sobre esse assunto”, afirmou.

    Ele foi receber das mãos do presidente da Câmara de Vinhedo, Adriano Corzzari (PSB), a moção aprovada. “Nossa delegacia é uma vergonha. A forma como está é tratar Vinhedo como se ela não existisse no mapa. Se tirar os funcionários municipais daqui, a delegacia simplesmente fecha. O prefeito tentou repassar um pró-labores para igualar o salário que é oferecido em cidades maiores, pois aqui em Vinhedo se ganha menos, mas o Estado não permite o convênio. Mas vontade política do município há”, afirmou o parlamentar.

Convênios permitem as cessões

    Através da assessoria de imprensa, a Secretaria de Estado da Segurança Pública informou, por meio de nota, que há convênios entre secretarias municipais e a SSP que permitem que funcionários municipais, cedidos pelas prefeituras realizem trabalhos administrativos nas delegacias e Ciretrans das regiões, “possibilitando que policiais civis fiquem disponíveis para investigações e diligências”. “Atualmente na Acadepol (Academia da Polícia Civil), há 571 investigadores, 283 escrivães e 90 fotógrafos em processo de formação. Após o término do curso, esses profissionais serão remanejados pela Delegacia Geral de Polícia de acordo com análise técnica das necessidades de cada local. Há também um concurso em andamento pra 140 delegados de polícia”, comunicou a SSP. (ND/AAN)