Transcrição da matéria
publicada no Jornal Correio Popular de Campinas no dia 02.04.2012 pelo Sinpol
Campinas, referente a grave situação de falta de funcionários nas Delegacias da
Região Metropolitana de Campinas.
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA III CESSÃO
Prefeituras socorrem delegacias
Servidores municipais emprestados
já são um quarto do total de funcionários dos DPs na RMC
Natan
Dias
DA
AGÊNCIA ANHANGUERA
A transferência de servidores municipais
às delegacias policiais do Estado tem sido uma alternativa para suprir o
déficit de funcionários públicos nesses estabelecimentos na Região
Metropolitana de Campinas (RMC). Nas 19 cidades da região, de um total de 1290
servidores nas delegacias, 304 são cedidos pelas prefeituras, o que corresponde
a quase um quarto do total (24,5%)
Atuação
política tenta fazer com que Estado libere mais policiais
Por trás do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) elevado e dos muros dos condomínios de alto padrão
de Vinhedo, está um problema que afeta a todos os municípios da RMC: a falta de
funcionários do Estado nas delegacias de polícia. O improviso, na transferência
de servidores municipais para exercer funções administrativas nas delegacias,
foi a saída encontrada e é praticada em todos os municípios. Além de Vinhedo,
pelo menos outras dez cidades da RMC possuem mais funcionários municipais que
estaduais em suas delegacias de polícia. Pedreira, Paulínia, Nova Odessa e
Itatiba estão fichadas nos números divulgados pelo Sindicato dos Policiais
Civis da Região de Campinas (Simpol-Campinas). Até mesmo Indaiatuba , que
recentemente entrou em 8º lugar no ranking das melhores gestões públicas do
Estado, segundo índice Firjan, entra na listagem.
Em Vinhedo,
a situação ficou exposta após a morte da jovem Gabriela Yukay Nychymura, 14
anos, no parque de diversões Hopi Hari. Com o volume de trabalho gerado pelo
caso, investigações de outros crimes que aconteciam na cidade ficaram
acumuladas. O número reduzido de funcionários públicos estaduais que podem
realizar, especificamente, a atividade típica policial fez com que as demais
investigações simplesmente parassem. A estrutura da segurança pública, da qual
a “terra da uva” tanto se gabou, mostrou que dá sinais de ruínas, bem como nas
demais cidades mostradas no levantamento do Sinpol.
Por trás da
tragédia ocorrida no parque de diversões está ainda a dificuldade na
investigação de crimes. O mesmo acontece nos outros municípios. O quadro é de
uma grande quantidade de servidores municipais e a ausência dos estaduais
locados nas delegacias. As funções que os empregados cumprem são apenas
administrativas, mas não raro guardas e
outros funcionários municipais realizam o transporte de armas, drogas e outros
objetos de crimes para a delegacia seccional, com carro próprio e sem o preparo
ou reforço de armamento necessários.
Os cargos
que mais sofrem substituição são os administrativos, comoos de elaboradores de
boletim de ocorrência(BO) e, até mesmo, escrivães. Segundo o presidente do Sinpol,
Aparecido Lima de Carvalho, há municípios que sequer contam com um delegado
próprio. “ Há casos em que ele (o
delegado) trabalha em dois municípios. A didade fica sem plantão. A
situação está crítica”, afirmou Carvalho.
Segundo
Odete Medauar, professora titular de Direito Administrativo da Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo (USP), não há ilegalidade se os
funcionários não cumprirem a atividade típica policial. “Ele não pode
investigar, prender, procurar criminosos, enfim, mas realizar funções
administrativa, se foi tudo formalizado e publicado em Diário Oficial, não há problema. Mas existe um teto estabelecido
pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)
que limita o gasto com pessoal. Isso pode vir a ser um problema”, explicou.
No exemplo
de Vinhedo, em breve o município pode ficar sem nenhum escrivão. “Nesse caso, é
esquisito, pois tem uma carreira específica. Falta alguém para chefiar o
trabalho dos servidores municipais. Isso não pode”, afirmou a professora.
Segundo ela, é preciso que seja providenciado antes um profissional na área
para que não haja desfalque.
Ajuda
Há menos de
um mês, uma quadrilha especializada em roubos a condomínios tirava o sono da
Polícia Civil de Vinhedo. Na última ocorrência, uma das vítimas foi estuprada.
Foi quando policiais civis de Campinas foram chamados para ajudar a solucionar
o caso. Presos os suspeitos uma semana após o crime, na semana passada um novo
assalto foi registrado dentro desses condomínios.
“Fazemos um
trabalho político para forçar o Estado a mandar mais policiais, mas eles vêm
nossos índices e dizem que ‘nós vivemos em um paraiso’. Então, vai deixar virar
um inferno para fazer alguma coisa? A linha de raciocínio deles é que tem que
esperar ficar ruim para colocar mais gente para trabalhar aqui? Não podemos
trabalhar na prevenção? Depois, quando precisa, mandam para apagar o fogo. Se
não colocássemos funcionários municipais, a delegacia parava”, disse o
secretário de Transporte e Defesa Social de Vinhedo, Antônio Luiz Falsarella.
Segundo
Odete, o secretário está correto em reclamar. “Estou de acordo. Pode ser que
seja um paraíso, mas é assim, talvez, pelo número de pessoas que já teve no
passado. O bandido vai ficar feliz com essa redução e vai lá estragar. A
reposição precisa ser feita por isso. Não é o caso de esperar esvaziar para
repor essas pessoas”, declarou. Atualmente, Vinhedo conta com 174 guardas
municipais (GMs) e 45 policiais militares (PMs) e quatro investigadores de
polícia. “Com eles (PM), conseguimos
fazer um convênio e eles recebem um pro-labore, mas obtivemos sucesso com a
Polícia Civil. A diferença de salário aqui para quem trabalha em Campinas faz
com que ninguém queira vir, porque esse dinheiro faz falta no final do mês”,
explicou o secretário.
Estado
O Estado hoje fornece dois escrivães e quatro
investigadores para a cidade, que tem aproximadamente 65 mil habitantes. Esse
número ainda passará para 1 e 3, respectivamente, até junho, pois dois
funcionários estão prestes a se aposentar. A solução que restou, como em todos
os municípios da RMC, foi o improviso. Quinze funcionários públicos municipais
ocupam cargos administrativos na delegacia, inclusive o de escrivão.
A
Administração municipal fornece mais empregados que o Estado, que disponibiliza
12 funcionários concursados. Um deles, inclusive, está em desvio de função. A
revolta dos policiais aumentou ainda mais depois o nível universitário passou a
ser exigido nos concursos, porém, sem a adequação da faixa salarial.
“Ganhamos
igual a quem tem nível médio. O governo se propôs a resolver isso, mas não se
mexeu até agora. O prazo está se esgotando e a nossa impressão é de descaso.
Estamos juntando moções aprovadas pelas câmara municipais de cada município
para tentar sensibilizar o governo”, afirmou o presidente do Sinpol-Campinas.
Com um
escrivão e dois investigadores, já que um destes responde pela Ciretran de
Vinhedo e não participa dos inquéritos, o delegado titular da Polícia Civil de
Vinhedo, Álvaro Santucci Noventa Júnior, afirmou que há acumulo de trabalho e
os casos “menos relevantes” ficam para trás no processo investigatório. “Nosso
maior problema aqui na delegacia é esse: a falta de funcionários. Eu precisaria
de pelo menos mais três escrivães, dois investigadores e um delegado para ficar
de plantão. Tenho que dar atenção a todos os casos, mas os mais relevantes
tomam a frente. Não posso deixar nenhum de lado, mas o que acontece é um
acúmulo”, explicou Santucci.
Pedreira
Outro caso
crítico é o de Pedreira, que tem duas delegacias e 22 empregados municipais em
postos de funcionários públicos estaduais da Secretaria de Estado da Segurança
Pública – que tem apenas 13 cargos na cidade. O prefeito e presidente do
Conselho de Desenvolvimento da RMC, Hamilton Bernardes (PSB), disse que o
assunto foi levado ao governador Geraldo Alckmin (PSDB), que ficou
“sensibilizado” com a situação. “Estamos aguardando uma solução do governador,
mas ele não deu prazo para isso. Esperamos que essa situação seja revertida”,
disse Bernardes.
Ele
declarou que colocou servidores municipais nas delegacias, pois sabe da
importância de tê-los nas funções administrativas. “Existem vários serviços que
podem auxiliar e, no que pudemos atender, vamos trabalhar para isso.”
Entretanto, Bernardes disse que não sabe se o assunto está na agenda da próxima
reunião dos municípios da RMC. “Mas qualquer prefeito pode levantar a questão
para debater sobre esse assunto”, afirmou.
Ele foi
receber das mãos do presidente da Câmara de Vinhedo, Adriano Corzzari (PSB), a
moção aprovada. “Nossa delegacia é uma vergonha. A forma como está é tratar
Vinhedo como se ela não existisse no mapa. Se tirar os funcionários municipais
daqui, a delegacia simplesmente fecha. O prefeito tentou repassar um
pró-labores para igualar o salário que é oferecido em cidades maiores, pois
aqui em Vinhedo se ganha menos, mas o Estado não permite o convênio. Mas
vontade política do município há”, afirmou o parlamentar.
Convênios
permitem as cessões
Através da assessoria de imprensa,
a Secretaria de Estado da Segurança Pública informou, por meio de nota, que há
convênios entre secretarias municipais e a SSP que permitem que funcionários
municipais, cedidos pelas prefeituras realizem trabalhos administrativos nas
delegacias e Ciretrans das regiões, “possibilitando que policiais civis fiquem
disponíveis para investigações e diligências”. “Atualmente na Acadepol
(Academia da Polícia Civil), há 571 investigadores, 283 escrivães e 90
fotógrafos em processo de formação. Após o término do curso, esses
profissionais serão remanejados pela Delegacia Geral de Polícia de acordo com
análise técnica das necessidades de cada local. Há também um concurso em
andamento pra 140 delegados de polícia”, comunicou a SSP. (ND/AAN)