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http://blog-sem-juizo.blogspot.com/2012/02/greve-reintroduz-tema-da.html
Acesso em: 18 fev 2012
quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012
....greve
reintroduz tema da desmilitarização da polícia....
Policiamento não tem natureza militar.
Hierarquia e disciplina não tem evitado distorções nem mesmo a forte
articulação sindical.
Entre as várias discussões que a greve das PMs vai
levantar, uma delas certamente será a desmilitarização da segurança.
Apesar de décadas acostumados ao trato e às posturas
militares, em algum momento voltaremos à questão central: o policiamento é
essencialmente uma atividade de natureza civil.
Nada há de militar no ato de policiar, seja ele
ostensivo ou investigatório.
A dinâmica militar tem como princípio a defesa
bélica do país, diante de seus inimigos, em estratégias de guerra e defesa
territorial. Não a de proteger direitos de cidadãos violados ou ameaçados por
conterrâneos.
Essa lógica enviesada que os anos de ditadura nos
fizeram crer como natural já não resiste sequer a argumentos circunstanciais.
Muito além do controle estrito que se poderia
esperar de uma tropa forjada na disciplina, as Polícias Militares têm
demonstrado um alto índice de violência. Chegam a ser responsáveis por quase
1/5 dos homicídios no país, sem contar a proliferação de corpos encobertos por
autos de resistência.
Como exemplos dos grandes centros têm nos mostrado,
nem a hierarquia militar nem a formação em quartéis impedem a promiscuidade de
vários de seus agentes com o crime organizado.
E apesar de todas as proibições legais e
constitucionais, fundadas justamente no caráter militar, os PMs se mostraram
muito mais articulados sindicalmente do que outros funcionários sobre os quais
não recaem tantas vedações.
Do quê, afinal, o militarismo da polícia tem nos
salvado?
A formação militar é pouco permeável às aparas
cotidianas de uma democracia, como manifestações de movimentos estudantis ou
sociais.
Grupos de extermínio ou milícias têm nascido dentro
de seus quadros, sem que os comandos, por mais rigorosos que sejam, consigam
evitar. A ideia de criação de pequenos exércitos locais, que é base da noção de
polícia militar, mais estimula do que repele o nascimento de tais esquadrões.
A incipiência dos salários, por sua vez, jogou
parcelas significativas da carreira na prática de "bicos" no setor
privado, produzindo uma contraditória terceirização da segurança levada a
efeito pelos próprios agentes do Estado.
Por fim, a divisão das polícias só alimenta
conflitos internos, com corporativismos que não raro se enfrentam.
O saudoso Mário Covas, que estava longe de ser um
revolucionário ou anarquista, começou seu governo em São Paulo propondo
justamente a integração das polícias como primeiro passo para a unificação.
Com o tempo, todavia, o tema foi alojado entre
aqueles entulhos autoritários que mandamos para debaixo do tapete.
A militarização da polícia foi levada ao paroxismo
com a criação de uma justiça própria para julgar policiais e bombeiros. Depois
do episódio do Carandiru, a competência para apurar homicídios por eles
praticados, por motivos óbvios, foi excluída da Justiça Militar.
A desmilitarização não resolveria todos os
problemas.
Continuaria sendo inaceitável, dentro de um estado
democrático, qualquer tipo de manifestação armada, por mais justas que sejam
suas reivindicações.
Mas, além de coerente com a democracia, ela
impediria que essa articulação nacional, que vem se revelando desde a greve da
Bahia, desemboque em uma delicada questão militar, como outras que já
embaralharam nossa história política.
Os experientes e preparados policiais, que formam a
maioria do corpo, certamente saberão exercer suas funções sob a disciplina
civil.
Continua sendo um paradoxo, todavia, que os PMs
sejam tratados como essenciais apenas nos deveres, não na remuneração, caso de
outros profissionais como os área da saúde e da educação.
Pouco a pouco os servidores compreenderão a
necessidade de concentrar esforços na discussão dos orçamentos, onde se elegem
as prioridades e se reparte o bolo.
Quem sabe nessa hora possamos discutir ao mesmo
tempo dos reajustes, o custo das emendas parlamentares ou o dinheiro
desperdiçado na comunicação, quando pagamos aos governos para que façam
propaganda para nós mesmos.
Postado por Marcelo Semer às 08:37
Marcelo Semer, 45 anos, juiz de direito em São Paulo e escritor.
Membro e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia, autor do romance
"Certas Canções". Colunista no Terra Magazine.