Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/colunistas/paulamiraglia/nao+ha+punicao+provisoria/c1597070527217.html
Acesso em: 9 jul 2011
Paula Miraglia
Antropóloga analisa segurança pública, justiça e
cidadania
Não há punição provisória
Alteração no Código Penal mostra
que País pretende adotar perspectiva mais racional na gestão do Sistema de
Justiça Criminal
08/07/2011 12:23
Desde a última segunda-feira, passaram a valer as
alterações no Código Penal.
A Lei nº 12.403 redefine, entre outras coisas, as condições e
critérios para a aplicação da prisão preventiva diante de crimes leves.
De acordo com a legislação brasileira, a prisão
teria funções distintas. Pode constituir uma pena, no caso de um crime que já
tenha sido processado, julgado, e seu autor tenha sido considerado culpado. Mas
pode ser também uma medida processual cautelar. Nesse caso, seu obejetivo seria
garantir o bom resultado do processo e, portanto, ocorreria durante o inquérito
policial ou no curso do processo criminal.
Na qualidade de pena, a prisão tem caráter
essencialmente punitivo e só poderia ocorrer quando há julgamento e condenação.
Como suposta medida de prevenção, mesmo antes da culpabilidade de uma
determinada conduta ter sido comprovada, um réu pode ter sua prisão decretada
pelo juiz de acordo com uma variedade de critérios como, por exemplo, indício
de autoria, o risco potencial que o acusado pode significar à sociedade ou até
mesmo à falta de residência fixa.
Hoje, contudo, como resultado de uma mistura de
ineficiência por parte da Justiça e o uso inadequado desse recurso, temos uma
cenário dramático no País, que transformou a prisão provisória em punição para
milhares de pessoas cuja culpa não foi comprovada. De acordo com o Departamento
Penitenciário Nacional (Depen), 44% dos presos do sistema penitenciário
brasileiro são provisórios. Em alguns Estados, esse número chega a 80%.
São mais de 200 mil pessoas que, se adotarmos o
princípio constitucional da presunção da inocência, estão sendo punidas
indevidamente, expostas às condições já conhecidas das prisões no País.
Adotando uma perspectiva comparativa, o Open
Society Insitute realizou um estudo internacional detalhado sobre os impactos
do abuso dessa modalidade de prisão. Aproximadamente, 10 milhões de pessoas são
presas provisoriamente a cada ano em todo mundo.
Intitulado “O impacto socioeconômico da prisão
provisória”, o relatório mostra como o uso abusivo da prisão provisória tem
consequências não apenas para o indivíduo a ser julgado, mas para sua família,
comunidade e para o próprio Estado.
Algumas das conclusões evidenciam as reações em
cadeia: impedidos de trabalhar, os presos vêem sua renda reduzida e sua família
consequentemente mais vulnerável, o que pode comprometer, por exemplo, a
educação de seus filhos. Do ponto de vista do Estado, a pesquisa estabelece
correlações óbvias, mas muitas vezes ignoradas: um sistema superlotado por
presos provisórios está mais suscetível à corrupção e à disseminação de doenças
contagiosas – tal como vem sendo comprovado pelas prisões brasileiras.
Com efeito, estabelecer alternativas à prisão para
crimes que não sejam graves é uma forma de corrigir distorções que vêm impondo
graves violações de direitos a milhares de pessoas. Mas é também um sinal
positivo de que o País pretende adotar uma perspectiva mais racional na gestão
do seu Sistema de Justiça Criminal.