Disponível em:
http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/277705_A+POLICIA+E+O+MP+TRABALHAM+MUITO+MAL+ Acesso em: 27 fev. 2013
Tourinho Neto
"A polícia e o MP
trabalham muito mal"
Perto da aposentadoria, juiz
que mandou soltar Carlinhos Cachoeira diz que delação premiada é traição e
acusa seus colegas de decretar prisões preventivas com base apenas em
suposições
por Claudio Dantas Sequeira
O juiz Fernando da Costa
Tourinho Neto vai pendurar a toga em abril, aos 70 anos, 42 deles dedicados ao
Judiciário. Constitucionalista, apegado aos direitos humanos, contra a lei
seca, fã do MST e crítico à indicação política de magistrados, Tourinho Neto não
se enquadra facilmente em classificações. Mas corre o risco de encerrar a
carreira com a alcunha de “juiz de bandido”. Este ano, ele mandou soltar o
bicheiro Carlinhos Cachoeira e anulou provas da operação da Polícia Federal
contra o ex-presidente da Valec José Francisco das Neves, o Juquinha. O
magistrado, contudo, não teme o linchamento público. Em entrevista exclusiva à
ISTOÉ, considera a “reação natural” de uma sociedade indignada com a crescente
corrupção. Mas pondera: “Que o povo pense assim, tudo bem! Mas não as
autoridades.”
Tourinho alerta para o que
chamou de “afã” em condenar que, segundo ele, ameaçaria garantias individuais e
contaminaria inquéritos, denúncias e julgamentos – para ele, o do mensalão,
inclusive. Sem medo de polêmica, o juiz critica a teoria do domínio do fato
usada pelo Supremo para condenar o ex-ministro José Dirceu. Para o magistrado,
a impunidade deve ser combatida com celeridade processual.
Fotos: Adriano Machado/ag.
istoé; CELSO JUNIOR/AG. ESTADO/AE
Istoé -
O sr. se aposenta em abril.
Vai fazer o quê?
Tourinho Neto -
Pensei em dar aulas, mas não
gosto de horário fixo. Então, acho que vou advogar.
Istoé -
Como recebe as críticas por
ter liberado o bicheiro Carlinhos Cachoeira e anulado as provas da Operação Trem
Pagador, da PF?
Tourinho Neto -
Não sou a favor do crime.
Quero o rigor, mas também a defesa intransigente dos direitos e garantias
individuais previstos na Constituição. Sou um constitucionalista e também um
humanista. Falam que eu concedi habeas corpus para o Cachoeira porque ele é
rico e influente. Ora, isso é uma bobagem, um absurdo! Todos os dias eu concedo
para gente pobre que ninguém conhece.
Istoé -
Mas não havia o risco de
Cachoeira destruir provas ou fugir?
Tourinho Neto -
Se esse risco existe, ele não
foi demonstrado pela polícia e o Ministério Público. Não se pode manter alguém
preso por suposição. Hoje o que mais tem é juiz decretando prisão preventiva
com base em conjecturas. A lei proíbe isso, está no artigo 312. Tem que ter
prova da existência do crime, indícios suficientes, não só a suspeita.
Istoé -
No caso do Cachoeira não havia
esses indícios?
Tourinho Neto -
Não posso ficar falando do
caso em que atuo, mas o fato é que um juiz não pode decretar a quebra de sigilo
ou a prisão temporária de quem quer que seja com base em suposições. No caso da
quebra de sigilo, ela deve ser o último meio de prova. Antes, o delegado deve
tentar de tudo.
Istoé -
Por isso anulou as provas da
Operação Trem Pagador, da Polícia Federal?
Tourinho Neto -
Essa é talvez a operação
recente da PF com mais erros que já vi. Eles começaram a investigação com a
quebra do sigilo telefônico, que foi deferida pelo juiz, sem antes ter uma
investigação. Aí você anula a interceptação telefônica e não resta nada. Ora, isso
é ilegal. Dizem que acabaram com as investigações policiais, mas não é assim.
Se cumprirem a lei, não anulo, como não anulei várias outras. O STJ também
anulou aqueles grampos da Operação Boi Barrica (Facktor) pelo mesmo motivo. A
polícia e o MP trabalham muito mal.
Istoé -
O sr. se acha mal
compreendido?
Tourinho Neto -
Por boa parte do Ministério
Público e 80% da polícia. Mas não posso ser cúmplice de inquéritos malfeitos,
denúncias do MP com base em notícias de jornal. Juiz não está aí para combater
o crime, mas para julgar com imparcialidade.
Istoé -
Os delegados, promotores e
juízes de primeira instância estão despreparados?
Tourinho Neto -
Eles são preparados. O
problema é que há um afã em prender e condenar. A polícia às vezes prende 80
pessoas numa operação, mas será que todos participaram do crime da mesma forma?
Parece que há uma necessidade em prestar contas à sociedade para alimentar a
mídia com notícias.
Istoé -
Isso aconteceu no mensalão?
Tourinho Neto -
Não entendo essa teoria do
domínio do fato usada pelos ministros. É muito perigosa. Julgaram o ex-ministro
José Dirceu sem provas. Claro, tudo levava a crer que ele comandava, pois os
outros não podiam fazer nada sem a decisão dele, mas não tinha ato de ofício.
Istoé -
Mas a sociedade está cansada
da impunidade...
Tourinho Neto -
Que o povo pense assim, tudo
bem, admite-se. Mas que a autoridade pense assim, não dá. Às vezes a pessoa
pode parecer culpada, mas é preciso concluir a investigação, tem que fazer
perícia, ouvir testemunhas. Imagina se tivéssemos pena de morte? E tudo começa
com a imprensa. Ela pressiona pela condenação.
Istoé -
O sr. acredita que o Supremo
agiu pressionado?
Tourinho Neto -
Pelo que a gente vê dos votos
do mensalão, em parte sim. Tinha essa coisa de dar satisfação ao povo. Nesse
caso não estou dizendo que agiu errado, pois também havia esse estigma de que o
Supremo não condena ninguém por crime de colarinho-branco. Aí chegou o momento.
Istoé -
Como ex-promotor e filho de
promotor, como o sr. vê a proposta de emenda constitucional que tira o poder de
investigação do MP?
Tourinho Neto -
A política investiga, o MP
acusa e o juiz julga. Essa separação de poderes garante o estado democrático de
direito. A quebra dessa lógica é uma miséria. Sou contra o poder de
investigação do Ministério Público, porque normalmente o procurador ou promotor
se envolve na investigação. Ele vira um delegado, mas é ele quem deve
fiscalizar o trabalho do delegado. Ir à delegacia para acompanhar uma oitiva,
pedir à polícia que colha determinada prova e não sair recolhendo dados a seu
bel prazer, apresentando denúncia com base em notícia de jornal. Tinha um
procurador aqui em Brasília que escaneava as matérias para fundamentar a
investigação.
Istoé -
Quem era?
Tourinho Neto -
O Luiz Francisco e o Guilherme
Schelb. Muitos juízes até julgavam com base nas reportagens. Sou a favor do
jornalismo investigativo, mas a matéria deve ser um ponto de partida. E só.
Istoé -
E qual a saída para não ficar
a sensação de impunidade?
Tourinho Neto -
Temos que ser céleres. Dar
celeridade no trâmite proces-sual e nos julgamentos. Não precisa o MP oferecer
denúncia que parece sentença condenatória, invadindo a competência do juiz.
Istoé -
Celeridade no Judiciário é
possível?
Tourinho Neto -
Sou um exemplo dela. Tenho uma
rotina intensa de trabalho. Eu tinha 1.400 processos, mas zeramos tudo.
Istoé -
Essa rapidez também foi
criticada no caso do habeas corpus do Cachoeira.
Tourinho Neto -
Pedido de liminar é para ser
decidido em qualquer lugar, até no capô do carro. A liberdade de uma pessoa não
pode ser bloqueada por formalismos. Em 2002, tive que conceder um habeas para o
senador Jader Barbalho. Era um sábado, eu estava em casa de bermuda, relaxado.
Despachei e mandei cumprir. Ele chegou a ser algemado, um absurdo
Istoé -
O sr. é contra o uso de
algemas?
Tourinho Neto -
Sou. Só deveriam usar algemas
em quem resiste à prisão. Mas a polícia algema idosos, mulheres, pessoas em
cadeiras de rodas. Invadem a casa da pessoa e levam a mulher de camisola para a
delegacia. É tudo para saciar a sede de justiça do povo. Mas a lei não é um
instrumento de vingança.
Istoé -
E quanto às novas denúncias de
Marcos Valério contra Lula, elas devem ser ou não apuradas?
Tourinho Neto -
Sou contra a delação premiada.
É traição. O homem não pode ser um traidor de seus companheiros. Ele estava
participando do crime. Ele, ali na quadrilha, dava suas opiniões, praticava o
crime. Depois quer os benefícios da delação. É um oportunista, que quer se
safar!
Istoé -
Mas sem a delação premiada o
que seria da Operação Mãos Limpas, que desbaratou a máfia siciliana?
Tourinho Neto -
Para combater o crime, a
polícia italiana se valeu da fraqueza de um dos réus. É a falência dos
instrumentos de investigação do Estado, que não precisa violar a lei e a
Constituição. Hoje, no Brasil, o Estado viola a Constituição diuturnamente.
Istoé -
Como assim?
Tourinho Neto -
Para ficar num exemplo, veja o
regime disciplinar diferenciado que instituíram nos presídios federais para
isolar criminosos de alta periculosidade. Voltamos à ditadura militar. É como a
tortura no Dops. Se naquela época tinha um médico que não deixava o sujeito
morrer, só para continuar sendo torturado, agora também tem lá o psicólogo que
não deixa o preso enlouquecer.
Istoé -
Na sua opinião, então, o
Fernandinho Beira-mar está sendo torturado?
Tourinho Neto -
Não tenha dúvida que está
sendo torturado. O sujeito ficar numa sala pequena, vigiado 24 horas, não pode
usar o banheiro ou tomar banho sem ser filmado.
Istoé -
O sr. é membro do Conselho
Nacional de Justiça. Acha que o conselho cumpre suas funções?
Tourinho Neto -
O problema do CNJ é a
Corregedoria, que, no afã de punir, comete erros. A ex-corregedora Eliana
Calmon estava doida para punir juiz. Eu disse a ela que as sindicâncias eram
legítimas, mas ela exagerava nos pedidos.
Istoé -
Ela foi contemporânea sua no
Tribunal Regional Federal. O que explica ela ter ascendido ao STJ e o sr. não?
Tourinho Neto -
Nunca concordei com
apadrinhamentos políticos para chegar aos tribunais superiores. Eliana dizia o
mesmo, mas depois foi lá e pediu a bênção do ACM e do próprio Jader Barbalho,
que me acusam de ter beneficiado.
Istoé -
Teme que seu apoio à tese dos
mensaleiros lhe valha a alcunha de petista?
Tourinho Neto -
Já disseram que sou amigo de
bandido, mas petista ainda não. Posso dizer que votei no Lula duas vezes, na
Dilma e não votei em FHC. Mas não tenho filiação partidária.