Disponível em:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/01/130116_ouvidoria_seguranca_lk.shtml
Acesso em: 17 jan. 2013
Novas regras tentam reduzir letalidade da PM de SP
Luis Kawaguti
Da BBC Brasil em São Paulo
Atualizado em 17 de janeiro, 2013 - 07:14
(Brasília) 09:14 GMT
Após registrar uma alta de 24% no número de mortes
cometidas por policiais militares em 2012, o Estado de São Paulo começou a
implementar medidas para coibir homicídios ilegais cometidos pelos agentes da
lei - de acordo com recomendações feitas por sua ouvidoria.
Segundo dados da Ouvidoria da Polícia, os PMs de São
Paulo mataram 506 pessoas entre janeiro e novembro de 2012 - 99 casos a mais
que o registrado no mesmo período de 2011. Os dados de dezembro só devem ser
divulgados pelo governo no fim deste mês.
O número também é o maior para o período registrado
nos últimos cinco anos.
A alta dos casos começou principalmente a partir do
mês de setembro de 2012 - quando se acirrou uma onda de confrontos entre
policiais militares e membros da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da
Capital).
O mês que mais registrou mortes foi novembro, com 79
casos - uma alta de 75% em relação ao ano anterior, segundo a Ouvidoria.
Nesse mesmo mês, o número geral de vítimas de
homicídio no Estado aumentou 44% - de 340 vítimas em 2011 para 534 no ano
passado.
A explosão no número de mortes culminou na demissão
do então secretário da Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, no fim de
novembro.
Seu substituto, Fernando Grella, adotou neste mês
duas novas medidas para tentar acabar com o conflito.
Uma delas impede que, após tiroteios entre policiais
e criminosos, os próprios PMs levem os suspeitos baleados para um hospital. O
resgate passou a ser feito por socorristas da Prefeitura ou do Corpo de
Bombeiros.
O Ouvidor da Polícia, Luiz Gonzaga Dantas, disse à
BBC Brasil que eram comuns antes da medida as denúncias ao órgão sobre resgates
médicos usados para acobertar assassinatos.
"A pessoa, em confronto com a polícia, levava
um tiro no braço ou na perna, era socorrida pela polícia e depois chegava no hospital
já morrendo, quando não morria no trajeto", disse.
Uma fraude dessa natureza gerou grande repercussão
em novembro de 2012, na zona sul de São Paulo - por ter sido filmada por um
cinegrafista amador.
Ele flagrou PMs retirando o servente Paulo Batista
do Nascimento, de sua casa. Ele já estava dominado e desarmado quando levou um
tiro de um policial e foi colocado em um carro da corporação. Foi levado em
seguida para um hospital, onde chegou morto.
Dantas também afirmou ter recebido denúncias de que
policiais forjavam resgates de feridos só para prejudicar a cena do crime -
removendo corpos ou sumindo com objetos e cápsulas de munições do local do
confronto, para dificultar a investigação do caso.
Para Marcos Fuchs, diretor da ONG Conectas Direitos
Humanos, a medida é muito positiva, mas o serviço de ambulâncias deve estar
pronto para chegar mais rápido para socorrer as vítimas baleadas.
"Deveria ser estabelecido que uma ambulância
seja chamada pela central de PM logo que começa um tiroteio e não só quando
alguém é baleado", disse.
Resistência
Outra prática que está sendo mudada por uma medida
de Grella é a forma de registrar os homicídios cometidos por policiais durante
o serviço.
Até recentemente, eles eram registrados oficialmente
na categoria de "resistência seguida de morte" - que pressupõe uma
reação do suspeito.
Devem passar agora a figurar como "morte
decorrente de intervenção policial". A diferença é que só uma investigação
determinará se a ação do policial foi legítima ou não.
Segundo Fuchs, essa mudança é importante porque deve
implicar em uma melhor investigação do caso - que em tese receberá atenção de
peritos e de unidades especializadas da polícia.
Além disso, o registro de casos como
"resistência seguida de morte", segundo Dantas, fazia com que muitos
casos de homicídios fossem enviados para a varas comuns da Justiça - ao invés
do Tribunal do Júri, dedicado apenas aos assassinatos.
Tais medidas podem ajudar a esclarecer mais casos
como o do adolescente Wallace Victor de Oliveira Souza, de 16 anos, assassinado
no último domingo, na zona leste de São Paulo.
Registrado segundo as novas diretrizes, o caso foi
investigado pelo DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa) e
pela Corregedoria da PM. Agentes desses órgãos ouviram testemunhas que disseram
que a vítima foi baleada em um terreno baldio por PMs quando já estava rendida
e desarmada.
O resultado foi a detenção de quatro policiais sob
acusação de simular um confronto e depois matar a vítima.
Iniciativa
O ouvidor Dantas disse que esses dois procedimentos
são comuns no exterior e já vinham sendo defendidos pela Ouvidoria desde 2009.
Uma fonte na Secretaria de Segurança afirmou que
Grella consultou, além da Ouvidoria, uma série de especialistas em segurança e
policiais experientes para tomar sua decisão.
"As ações do novo secretário são valentes,
importantes e começam a colocar um freio na PM", afirmou Fuchs.
Porém, segundo ele, sozinhas elas não resolvem o
problema da letalidade da corporação ou o conflito com o PCC.
Fuchs afirma que ainda será preciso fazer muitos
investimentos nos setores de investigação de homicídios - com investimentos
principalmente na área de pesquisa e tecnologia para a perícia. A ideia é
esclarecer mais casos e diminuir a impunidade.
Novas propostas
Dantas elogiou a determinação do novo secretário e
disse que agora pretende apresentar à pasta novas medidas para dificultar o
abuso de direitos humanos praticado por maus policiais.
Uma delas deve ser a instalação de um sistema
integrado de câmeras de segurança e GPS (sistema de posicionamento global por
satélite) nos carros de polícia. A ideia é monitorar o tempo todo a conduta dos
policiais, para evitar abusos.
Outra medida defendida por ele é que uma comissão de
especialistas de universidades façam avaliações psicológicas em todos os
policiais que atuarem em casos que envolvam mortes. Esses analistas decidirão
se o policial tem condições ou não de voltar a trabalhar nas ruas.
Dantas defende ainda que o Estado pague indenizações
para familiares de vítimas mortas por policiais. A ideia é forçar o governo a
aumentar a repressão aos desvios de conduta dos agentes da lei para evitar os
pesados gastos com indenizações.
Ele diz porém, que tais medidas não serão totalmente
efetivas se não forem acompanhadas por aumentos salariais para os policiais -
que precisam ser valorizados e ter condições de parar de fazer bicos nos
horários de folga.