Disponível em:
http://www.cartacapital.com.br/politica/criei-um-monstro/?autor=29
Acesso em: 24 dez. 2012
Colunistas
Mauricio Dias
22.12.2012 09:09
“Criei um monstro”
Foi lançado, recentemente, pelos
procuradores paulistas um abaixo-assinado contra a Proposta de Emenda
Constitucional que põe em jogo o poder de investigação criminal do Ministério
Público. É apelidada de “PEC da Impunidade”. A referência é, certamente, uma
tentativa de ganhar popularidade em decorrência do julgamento do chamado
“mensalão” petista.
Há, no entanto, uma discussão na
sociedade em sentido contrário ao que essa PEC da Impunidade busca: manter o
direito de o MP investigar. O debate vem de longe e é guiado por uma frase
lançada pelo advogado Sepúlveda Pertence, quando se despediu da função de
procurador-geral da República (no governo Sarney): “Eu não sou o Golbery, mas
também criei um monstro”.
Golbery do Couto e Silva, general articulador do golpe de
1964, foi o idealizador e o primeiro chefe do Serviço Nacional de Informações
(SNI), que ganhou vida própria e, posteriormente, engoliria o próprio criador
por ocasião das bombas do Riocentro em 1981. Golbery pediu a cabeça do general
Gentil Marcondes, comandante da Vila Militar de onde haviam saído os
terroristas fardados. O general Octávio Medeiros, então chefe do SNI, se opôs
com o apoio do ditador Figueiredo. A demissão de Golbery não tardaria.
Pertence, afastado do Ministério
Público, também foi engolido pelo “monstro” criado por Golbery e expurgado do
Ministério Público. Para, em 1985, ser escolhido por Tancredo Neves para a
Procuradoria-Geral da República. Despediu-se dela com um adeus a um “monstro”
perigoso à democracia.
O modelo atual do Ministério
Público nasceu da Constituição de 1988. Com a ação do tempo e a ambição dos
homens, ampliou indevidamente seus poderes, incluindo o poder investigatório
que, de um modo geral, transformou o promotor em um agente a serviço do Estado
e não do réu.
Em vez de “exercer o controle
externo da atividade policial”, como prevê a Constituição, o MP passou a
endossá-lo. É possível ouvir frases como essa entre procuradores que,
preocupados, estudam a situação: “Não é aceitável que o MP participe da
produção da prova, investigue, -acuse e ainda pertença ao sistema de Justiça”.
Lula colaborou com essa deformação.
Estabilizou a lista tríplice para escolha do procurador-geral e, ainda mais,
indicou sempre o mais votado pelos pares. Assim consolidou o processo eleitoral
de escolha, quando, pela Constituição, a indicação é única e exclusivamente da
Presidência. A disputa por lista alimenta o monstro.
O atual procurador-geral, Roberto
Gurgel, defende o poder investigatório. Omite sempre, para reforçar a tese, a
quantidade de atribuições do Ministério Público brasileiro. Nenhum outro país
do mundo as tem: move ação de improbidade, fiscaliza o meio ambiente, defende
os direitos dos índios, interfere na saúde e… e resta a pergunta: onde sobra
tempo para investigar?
O MP teria um papel importante na fiscalização da
situação jurídica dos presos e na aplicação das verbas para a construção de
presídios. Mas não o exerce. Não incorre na corresponsabilidade com a
calamidade existente nos presídios brasileiros?
Há outras questões mais graves. É
o caso da banalização dos aparelhos de escuta telefônica, o chamado “Sistema
Guardião”. O governo brasileiro não sabe quantos aparelhos há em funcionamento
no MP. O sistema é operado sem controle. Para isso, o MP tem agentes de
inteligência, os espiões, em seus quadros.
Essa situação é explosiva. O
membro do MP pode investigar valendo-se de uma atribuição originária da polícia
e utilizando estrutura própria das agências de inteligência, aptas a promover
espionagem por pessoas e por aparelhos.
Terá o MP se transformado em
agência de espionagem sem marco regulatório?