Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/1185856-tendenciasdebates-crime-organizado-estado-desorganizado.shtml
Acesso em: 16 nov. 2012
15/11/2012-03h30
Tendências/Debates:
Crime organizado, Estado desorganizado
MARILDA
PANSONATO PINHEIRO
A Política
de Segurança Pública no Estado de São Paulo beira a falência. O botão de alerta
já havia sido acionado há meses, pelo próprio crime organizado, demonstrando
claramente a desorganização e a ineficiência do Estado em combatê-lo.
A escalada
de violência poderia ter sido evitada se os agentes públicos responsáveis
admitissem, de plano, a sua existência, em vez de menosprezar o poder de fogo
da facção criminosa conhecida por PCC, que em um mês já tirou mais de 200
vidas, 90 delas de policiais.
Em entrevistas,
o secretário de Segurança Pública chegou a afirmar que se tratava de casos
isolados, oportunismos de marginais para acertar contas. Puro ilusionismo. A
sensação de insegurança e de pânico só aumenta na população.
Relatórios
de agosto da área de inteligência da Polícia Civil, da Polícia Federal e até do
Ministério Público anunciavam a tragédia, mas os policiais, aqueles que
estariam na linha de frente, foram esquecidos e entregues à própria sorte. Tudo
em nome da vaidade para admitir a falência da política adotada. Foi a
desumanidade escancarada --a perda de dez, 20 ou 30 vidas nada representa em um
Estado tão populoso...
Os
delegados de polícia, que também não foram avisados, embora o documentos
relacionados ao atentados apresentados em rede nacional leve o timbre da
Polícia Civil, se solidarizam com o caos. Sentem na pele há anos, como navalha
na carne, os reflexos do enfraquecimento da Polícia Civil, que é a polícia
investigativa, judiciária, do tirocínio.
Crime se
combate com inteligência, não com truculência ou com redobrada violência. Hoje,
cerca de 90% dos crimes não são investigados por falta de recursos materiais e
humanos, por falta de investimento e de claro protecionismo. O desestímulo na
carreira é crônico.
Os
delegados, dirigentes da Polícia Civil, amargam uns dos piores salários do
país, com precárias condições de trabalho e com um agravamento do cenário que
está por vir: 20 dos 200 novos delegados em treinamento na Academia de Polícia
já pediram exoneração, enquanto muitos aguardam resultados de concursos em
outras carreiras jurídicas. Preparamos profissionais para outras carreiras ou
para outros Estados... A história se repete a cada concurso...
Por isso, o
pior inimigo do Estado é o próprio Estado, que resiste em mudar sua abordagem
no combate ao crime e elaborar políticas públicas eficientes. Nesta atual onda
de violência, incentivar o confronto não é o caminho. Até porque, na guerra
entre o PCC e o Estado, o cidadão torna-se refém, assistindo impotente o seu
direito de ir e vir tolhido pelos chamados toques de recolher ou pela guerra
armada a céu aberto, que ceifa vidas inocentes.
Mas para o
Estado a situação está sob controle enquanto morrem dez por noite. Colocar mais
policiais na rua e intensificar abordagens poderá ajudar a combater a
consequência, mas não a causa, que exige profissionalismo, conhecimento técnico
e comprometimento que passam longe do partidarismo, da negação e do
protecionismo institucional.
Já é hora
de uma reforma nesta política de pouca estratégia. A sociedade deve exigir que
se faça cumprir as leis e se preserve o Estado democrático de Direito, onde o
respeito à vida e a dignidade da pessoa humana prevaleça sobre os mandos,
desmandos e interesses do "responsáveis pela segurança" de plantão.
MARILDA
PANSONATO PINHEIRO, 57, é presidente da Associação dos Delegados de Polícia do
Estado de São Paulo (ADPESP)