Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20166
Acesso em: 20 mai 2012
Segurança Pública em SP: uma engrenagem de
mortes e impunidade
Mudanças no
alto escalão da Secretaria de Segurança Pública e na Polícia Militar, denúncias
de corrupção e histórias novelísticas, algumas delas desvendadas em capítulos
pela mídia nos últimos meses, expuseram parte da estrutura dos governos tucanos
– há 17 anos no Palácio dos Bandeirantes - que reforçou a violência policial e
a impunidade como características de políticas do Estado. A reportagem é de
Fábio Nassif.
Fábio
Nassif
São Paulo -
Um dos episódios mais bárbaros de violência policial da história do país
completa 20 anos no próximo dia 2 de outubro. O Massacre do Carandiru aconteceu
na véspera das eleições municipais paulistanas que elegeram Paulo Maluf (antes
PDS, agora PP) como prefeito. Era um momento em que a violência era
escancaradamente defendida como política pública de segurança ilustradas pelo
mantra malufista “Rota na rua”. Só naquele ano, a polícia matou cerca de 1400
pessoas. Ao mesmo tempo que é um exemplo de violação dos direitos humanos
praticado pelo Estado, Carandiru é também um caso emblemático de impunidade.
Apenas uma pessoa foi condenada até hoje, dentre todos os policiais que
invadiram o presídio e mataram mais de cem presos à sangue frio.
O tempo
passou sob o governo do PSDB. Em 2006, o governo tucano de Geraldo Alckmin
selou de vez o compromisso do Estado com os setores mais violentos da polícia,
ao jogar para debaixo do tapete centenas de mortes cometidas por policiais
durante confronto com o PCC, a maioria delas com marcas evidentes de execução.
A maioria dos assassinatos ocorreu nas periferias da cidade de São Paulo e na
Baixada Santista.
Foram os
mesmos personagens que se moveram na cena policial nos dois episódios e em
outros de menor notoriedade, mas que expõem a polêmica relação das polícias com
o crime organizado. Vários personagens envolvidos nesses casos permanecem
ligados entre si, presentes e poderosos na vida política.
Mudanças no
alto escalão da Secretaria de Segurança Pública e na Polícia Militar, denúncias
de corrupção e histórias novelísticas, desvendadas em capítulos pela mídia nos
últimos meses, expuseram parte da estrutura dos governos tucanos – há 17 anos
no Palácio dos Bandeirantes - que reforçou a violência policial e a impunidade
como características do Estado.
Do
Carandiru ao PCC
As
políticas de segurança eram centrais na gestão do governador Luiz Antônio
Fleury Filho (PMDB, 1991-1994). O decreto 33.134, pelo qual as unidades
prisionais deixaram de ser responsabilidade da Secretaria da Justiça e passaram
para a área de Segurança Pública, data do primeiro dia de seu governo, 15 de
março de 1991. A “militarização” do sistema prisional estava longe de ser
conflitante com a personalidade do governador do Carandiru, cuja origem era o
Ministério Público: no governo anterior, de Orestes Quércia (PMDB, 1987-1991),
Fleury ocupava a Secretaria de Segurança Pública. Posteriormente, em 1993,
depois do Massacre do Carandiru, foi criada a Secretaria de Administração
Penitenciária. Nesse período, prevaleceu como política de segurança o
encarceramento em massa, expressa na maior curva de crescimento na história,
até os anos 2000. Junto com isso, o Estado viu também, depois do massacre
realizado pela PM no Carandiru, nascer o Primeiro Comando da Capital (PCC).
Existem
várias versões acerca do momento exato do surgimento do PCC. Mas nenhuma delas
contesta o fato que este teve como mote, inicialmente, responder às políticas
prisionais do Estado e ao mesmo tempo estabelecer normas de convivência entre
os presos. Essa articulação nos porões do sistema penitenciário sempre foi sustentado
pela chamada economia do crime, principalmente o tráfico de drogas.
Alessandra
Teixeira, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), acredita que
“foi justamente pelos efeitos perversos da atuação do Estado, sobretudo na
omissão e na violência institucional, que nasceu o PCC. Mas como ele vai se
expandir no sistema? Ele mantém o monopólio de uma economia criminal lá dentro
e vai transacionando com o Estado. E vai assumindo gradativamente o papel de
gestão desta população prisional que deveria ser desempenhado pelo Estado”.
Desde o
início do PCC, muitos outros episódios demonstraram conflito entre esta organização criminosa e o Estado – na maioria das vezes com o seu braço
armado, a polícia. O sistema prisional se expandiu também territorialmente e
levou o germe da organização criminosa para outras cidades do interior. E o
controle do PCC sobre as drogas o levou para muito além dos muros das
penitenciárias.
Do PCC a
maio de 2006
Um segundo
episódio onde a polícia paulista demonstrou truculência indiscriminada
aconteceu em maio de 2006. Na versão contada pela grande mídia, o episódio
ficou conhecido como “os ataques do PCC”. Na visão de familiares de mortos no
conflito, são os “os crimes de maio”. Foram assassinadas, só naquele episódio,
493 pessoas, segundo o Conselho Regional de Medicina de SP. Um estudo da ONG
Justiça Global, “São Paulo sob achaque”, aponta que policiais realizaram, entre
os dias 12 e 20 de maio, 126 mortes, classificadas como “resistência seguida de
morte”. Mas há indício, inclusive o estudo e pelos laudos, de envolvimento de
policiais fardados ou encapuzados em muitas outras execuções. O caso completa
seis anos e também está em aberto.
O conflito,
além do aspecto da violência policial, parece se interligar com o próprio
Massacre do Carandiru. Em outubro de 2005, José Ismael Pedrosa, diretor do
presídio na época do massacre, foi assassinado quando retornava para sua casa,
depois de votar no referendo sobre a proibição da comercialização de armas de
fogo. Em maio de 2010, foram condenadas três pessoas – segundo a polícia,
integrantes do PCC – pelo seu assassinato.
Pedrosa,
além de ter sido diretor do Carandiru, foi diretor da Casa de Custódia e
Tratamento de Taubaté durante muitos anos. O presídio é conhecido por adotar o
chamado Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), na qual as regras internas são
consideradas muito mais rígidas. A elas foram submetidos muitos membros do PCC.
Um deles, o Geleia, foi apontado pelo Ministério Público de São Paulo como o
planejador do sequestro da filha do então diretor penitenciário. A história do
PCC, portanto, passou, e muito, por dentro deste presídio, já que eles
questionavam e se organizavam a partir das práticas adotadas nas prisões.
Por
coincidência ou não, um outro personagem do Massacre do Carandiru voltou às
manchetes um mês antes dos Crimes de Maio. Coronel Ubiratan Guimarães,
comandante da operação, foi acusado de matar 102 pessoas durante a ação no
presídio. Ubiratan havia sido condenado em 2001 a 632 anos de prisão e pode
recorrer em liberdade até ser absolvido em instância superior, em fevereiro de
2006. Maio passou, e ele foi encontrado morto em seu apartamento, em setembro
daquele ano. A primeira suspeita é que membros do PCC seriam os responsáveis,
mas sua ex-esposa foi condenada justiça pela sua morte.
Cláudio
Lembo (na época, do PFL), que havia assumido o governo do Estado de São Paulo
no dia 30 de março de 2006, após a renúncia de Geraldo Alckmin (PSDB) para
concorrer à Presidência da República, descartou a hipótese de envolvimento do
PCC na morte do coronel, até porque, naquele momento, o discurso oficial visava
consolidar a tese de que a polícia havia reagido com “vigor” justamente para
acabar com o poder do PCC. As suspeitas de envolvimento do PCC no assassinato,
no entanto, foram motivo também de mensagens do consulado americano em São
Paulo, por meio do cônsul-geral, Christopher McMullen, com outros consulados (revelados
pelo Wikileaks em 2011).
No dia 31
de maio de 2006 entra em cena o personagem que pode ter coesionado parte desta
relação entre Estado e PCC. Antônio Ferreira Pinto assumiu a Secretaria de
Administração Penitenciária, e, sob o governo de José Serra (PSDB) em 2009,
tornou-se secretário de Segurança Pública, cargo que ocupa até hoje.
Saulo de
Castro é outra figura presente até hoje, mesmo discretamente, já que é o
titular da Secretaria de Transportes. O promotor de justiça era o Secretário de
Segurança Pública em 2006, no período dos conflitos com o PCC. Em 2011, o
Tribunal de Justiça determinou e o Ministério Público passou a investigar o
envolvimento de Castro no Massacre do Castelinho, caso onde presos –
supostamente ligados ao PCC - foram retirados ilegalmente dos presídios e
metralhados dentro de um ônibus por mais de cinquenta policiais na rodovia
Castelo Branco.
Hoje,
entidades de direitos humanos apontam que os “ataques do PCC” podem ter sido
motivados por um desentendimento entre a Polícia Civil e a organização
criminosa. O delegado investigativo Augusto Pena chegou a ser preso em 2007,
por ter sequestrado e extorquido o enteado de um dos líderes do PCC, o Marcola.
Esse pode ter sido um dos motivos para início dos confrontos, pois ele usava
das investigações policiais para extorquir criminosos. O relatório “São Paulo
sob achaque” aponta que haviam negociações entre a polícia e a organização criminosa
antes do ataque, e, que, para o fim do conflito em maio, também foram
realizadas novas negociações.
Já naquela
situação, o alto escalão do governo sinalizava, por um lado, o diálogo entre
forças com o PCC, e, de outro, métodos de utilização da estrutura policial para
exercer diferentes tipos de negociação. O ex-secretário adjunto de Segurança
Pública, Lauro Malheiros Neto, foi acusado de receber propina para anular
demissões de policiais acusados de corrupção – como o próprio Augusto Pena, que
o acusou -, já que ele assinava as decisões sobre esses processos
administrativos que investigavam irregularidades. Ele pediu demissão em 2008.
2012, 2006
e 1992
Novos
capítulos, reproduzidos ou não pela grande mídia, demonstraram conflitos
internos na polícia paulista. Mas não só. Expuseram a rede política do governo
do estado - envolvendo os setores mais retrógrados e violentos da polícia. A
atual corrupção policial, relação com o crime organizado e a impunidade se
encontram no tempo com o Massacre do Carandiru e os Crimes de Maio de 2006.
A primeira
mudança significativa aconteceu em novembro de 2011, quando o coronel Paulo
Adriano Lopes Lucinda Telhada se aposentou e passou o comando das Rondas
Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) para o coronel Salvador Modesto Madia. Nos
dois anos e meio de Telhada no posto, a Rota inflou o número de mortes sob sua
responsabilidade em 63,16% , com os 114 assassinatos cometidos. Telhada é um
conhecido linha-dura, que se orgulha em sentenciar “bandidos” com morte (sob seu
próprio julgamento) e ter 29 processos judiciais e militares arquivados. Ele se
filiou ao PSDB recentemente e deve ser candidato a vereador este ano.
Madia, o
atual comandante da Rota, é réu no processo do Massacre do Carandiru, por ser
acusado de matar 76 presos. Nos números oficiais, foram executados 111
prisioneiros pela Polícia Militar, mas testemunhas apontam número muito
superior e há pessoas que sequer encontraram os corpos de seus familiares
mortos.
O Coronel
Álvaro Batista Camilo, que estava no comando geral da Polícia Militar de SP, se
aposentou antes do previsto e deixou o cargo no dia 2 de abril deste ano. Sua
vaga era foco de disputa. Ele também deve concorrer a uma vaga na Câmara dos
Vereadores, mas, pelo PSD de Gilberto Kassab.
Matéria da Carta Maior apontou, em novembro de 2011, que
havia uma interferência da SSP em investigações recentes feitas pela Polícia
Civil em casos de mortes praticadas por policiais militares. A tese era baseada
no afastamento da delegada do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa
(DHPP) Alexandra Comar, que investigava algumas mortes – ou execuções -
praticadas pela Rota durante ação num suposto assalto a caixas eletrônicos em
um supermercado. Junto com o afastamento, seu namorado, Arnaldo Hossepian,
deixou o cargo de secretário-adjunto da SSP para retornar ao Ministério
Público.
No último
mês, a TV Bandeirantes fez uma série de reportagens que mostravam vários desses
documentos arquivados. Os Relatórios de Inteligência passam pelo crivo da
cúpula da Secretaria de Segurança Pública antes de ir pra gaveta. Neles, haviam
algumas investigações a partir dos seguintes casos (todos denunciados pela Band a partir dos relatórios do DHPP):
1. No dia
31 de julho de 2010, a sede da Rota foi supostamente atacada por criminosos,
que dispararam contra o prédio e foram mortos pela polícia. Na época, o comando
era do coronel Telhada. As investigações da Polícia Civil indicam que os
ataques foram forjados, inclusive pelo fato do irmão do homem morto ter
perdoado o Batalhão, já que era sócio de Telhada.
2. Na noite
deste mesmo dia, houve um suposto ataque à casa do Coronel Telhada. Ele reagiu
e matou mais supostos criminosos. A mídia cobriu ostensivamente. Mas as
investigações apontam que o ataque também teria sido forjado.
3. Rafael
Telhada, filho do coronel, também da Rota, estaria sendo investigado em
relatórios do DHPP por possível envolvimento em assaltos a caixas eletrônicos.
4. As
matérias da Band também mostram que o DHPP investigava a denúncia de que
policiais militares eram pagos por membros do PCC para executar pessoas.
5. Uma
outra denúncia é relativa ao convênio firmado entre a Universidade de São Paulo
e a SSP. A parceria surgiu depois da morte de um estudante. Os relatórios
investigativos dizem que os assassinos do estudante eram traficantes da região
e membros do PCC, e diziam que policiais do 16º Batalhão de Polícia Militar
recebiam pagamento da organização, em um pacto de ocupação territorial da
região.
Outros
casos foram acontecendo durante o período de mudanças na secretaria e no bojo
das denúncias da emissora, que também virou foco de disputa:
1. Polícia
Militar descobre um plano de sequestro do apresentador José Luiz Datena, da TV
Bandeirantes, no dia 28 de março. Ele elogia o trabalho de inteligência da PM
durante seu programa.
2. No dia 5
de abril, um soldado do mesmo 16o. BTM foi preso pela Polícia Civil por ser
suspeito de ajudar uma quadrilha especializada em assaltos a casas em SP.
Soldado da Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas (Rocam), ele mantinha
contato com os ladrões e informava-os sobre aproximações policiais.
3. No dia
seguinte, no dia 6 de abril, uma história mais espetaculosa ainda acontece. O
programa do Datena, na TV Bandeirantes, transmitia ao vivo. Ele passou a se
preocupar, pois a ocorrência mostrada do helicóptero da emissora era bem em
frente à sua casa, perto da emissora, no bairro do Morumbi.
Depois de
algum tempo dramatizando, a história é contada. O Coronel Telhada estava com
amigos e seu filho, Rafael Telhada, soldado da Rota, saindo do Palácio dos
Bandeirantes. Não disseram, e também ninguém perguntou, o que faziam lá. Viram
um veículo suspeito, e, quando comprovaram que se tratava de uma tentativa de
sequestro a uma mulher, passaram a atirar. Mataram um homem, dois foram presos,
um fugiu e a mulher foi salva. Coronel Telhada foi exaltado por Datena porque,
mesmo aposentado, ele agiu “contra o crime”.
As mortes e
os arquivamentos tomaram uma proporção assustadora. Desde que a Polícia Civil
começou a investigar os casos classificados como “resistência seguida de
morte”, do dia 6 de abril de 2011 ao dia 27 de março deste ano, apenas três
policiais militares foram presos, das 392 ocorrências.
No 1º
semestre de 2012, a polícia já matou 75 pessoas, 25% a mais do que o mesmo
período do ano anterior, segundo dados oficiais. A SSP não divulga
separadamente o número de pessoas mortas em confronto com PMs de folga.
O número,
portanto, pode ser maior e podem se confundir com o aumento do número de
homicídios, já que são contabilizados como homicídios dolosos.
As
investigações passaram para a Polícia Civil depois da divulgação de uma
gravação onde uma mulher relatava por telefone uma execução praticada por um
soldado da PM. Da ausência de investigações nesse tipo de ocorrência que
ocorria antes, para as investigações que são arquivadas, transferiu-se a
responsabilidade para o DHPP, o que acirrou o conflito entre as policias
militar e civil.
Os casos
investigados - e arquivados - e as mortes praticadas que parecem feitas
especialmente para serem repercutidas pela mídia para mostrar eficiência da PM–
para aqueles que concordam com as célebres frases de Maluf -, levaram a disputa
no interior do governo, da SSP e da polícia para as ruas. Mais do que os
conflitos entre Polícia Civil X Polícia Militar; PSDB de José Serra (Antonio
Ferreira Pinto) X PSDB de Alckmin (Saulo de Castro), existem razões mais
antigas e de fundo que apontam sentido ideológico na atual briga.
Disputa
antiga na polícia
O cientista
político Guaracy Mingardi busca uma explicação histórica para os conflitos no
interior da polícia. Segundo ele, até a década de 70 havia três polícias em São
Paulo: Civil, Força Pública (uma espécie de exército paulista que ficava aquartelado,
como uma milícia que respondia só ao governador) e a Guarda Civil. “Em 69, o
regime militar disse ‘isso não dá certo porque a gente não controla a polícia’.
Então, eles juntaram no mesmo balde a Força Pública, a Guarda Civil e criaram a
Polícia Militar. E para manter aquilo sob controle o primeiro, segundo,
terceiro comandantes foram coronéis ou generais do Exército, pra militarizar
aquela polícia. Ou seja, militarizou com base no que o Exército achava que era
o trabalho policial”.
Mingardi
faz uma distinção importante sobre o papel da polícia e o das Forças Armadas. A
segunda é treinada para abater inimigos externos. Em sua opinião, “a partir dos
anos 70 esse comando do Exército foi recriando a ideia do inimigo. É nesse
momento que vem a figura do suspeito: preto, pobre, da periferia, porque, para
um agrupamento militar é preciso ter a ideia do inimigo, que deve ser
identificável enquanto grupo que deve ser derrotado”.
Durante a
formação da primeira geração de oficiais com essa mentalidade, chamados
tenentes-bandideiros – que são os matadores -, havia mais dois grupos que
disputavam o comando da PM. Com o final da ditadura militar, o grupo ligado ao
Serviço Nacional de Informações (SNI) – órgão da inteligência do regime – perde
força e a disputa fica entre os tenentes-bandideiros e o comando formal da PM.
“Houve
mudanças, mas a desmilitarização legal não foi acompanhada da desmilitarização
do pensamento. Isso é importante porque a questão legal, se não é acompanhada
pela mudança de mentalidade, muitas vezes provoca uma briga que quem sofre é
parte da população. O grupo mais legalista e o grupo mais militarizado da
polícia brigam e aquele que é mais violento vai querer impor suas táticas
apesar da legalidade ser outra. E nós ficamos espremidos no meio da briga”,
disse Mingardi durante seminário “20 Anos de Massacre do Carandiru: Memória e
Presença”, realizado no último dia 25, em São Paulo. “A disputa que está
acontecendo agora tem muito a ver com isso.
Aparentemente
chegou-se num acordo, mas foi uma briga de meses”, concluiu o pesquisador da
Fundação Getúlio Vargas, que defende que a ala linha-dura da PM é segunda
geração dos tenentes-bandideiros criados pelos coronéis da ditadura militar.
Blindagem
judicial
O último
fato, que chama a atenção e expande a dimensão do conflito, também aconteceu no
dia 6 de abril. O Ministério Público do Estado de São Paulo, órgão responsável
por fiscalizar o governo local, passava por eleições internas. De acordo com o
regimento, o governador é responsável pela nomeação do Procurador-geral de
Justiça, a partir da lista dos mais votados. Geraldo Alckmin escolheu o segundo
colocado, o que causou estranhamento geral, inclusive porque o mais votado foi
Felipe Locke, que ficou internacionalmente conhecido e ganhou menção honrosa no
Prêmio Direitos Humanos em 2001, justamente por sua atuação no caso do Massacre
do Carandiru, no qual era promotor.
Locke
comentou brevemente o caso e disse que os argumentos de sua não escolha devem
ser dados por Alckmin. O promotor descartado busca até hoje julgar os
envolvidos no Massacre do Carandiru. Enquanto isso, o atual secretário do
Colégio de Procuradores do MP, posto importante do órgão, é Pedro Franco de
Campos, que, justamente na época do massacre era nada mais nada menos que o
Secretário de Segurança Pública e foi testemunha das mortes.
O MP,
dirigido pelo escolhido de Alckmin, Márcio Fernando Elias Rosa, é um espaço
onde personagens como o atual secretário de segurança, Antônio Ferreira Pinto,
e o anterior, Saulo de Castro, têm influência. A Polícia Militar mata – muitas
vezes pra mostrar ‘eficiência’ diante de denúncias de corrupção -, a mídia
cobre os fatos isoladamente, a Polícia Civil inicia as investigações, a SSP as
arquiva, e o Ministério Público não toma providências a respeito, mesmo diante
de evidências, permitindo assim que o governador permaneça imune.
Em uma
análise mais geral da relação do Estado com o crime organizado depois do
Massacre do Carandiru e dos Crimes de Maio, Alexandra Teixeira afirma que a
violência institucional anda ao lado da corrupção. “Elas se referem ao mesmo
fenômeno. No Brasil, historicamente, o Estado se inseriu no crime. Claro que
existe uma relação direta entre crime articulado e a economia criminal com o
Estado. Isso é muito patente. No caso do PCC, há diversas matizes que deixam
isso mais claro. No mínimo, há um acordo tácito entre a administração prisional
e o PCC. E não por acaso o atual secretário de segurança pública assumiu como
secretário de administração penitenciária depois dos ataques de maio. Isso é
evidente. Também são evidentes os acordos com a Polícia Civil, que foi o que
detonou os ataques de 2006”, diz Teixeira.
Na opinião
da especialista, existe um abafamento “porque, com este Estado, com essa
política de militarização, a PM é o cartão postal da eficiência e da segurança,
principalmente no estado de São Paulo. Esse discurso é, infelizmente, acatado
pela mídia”. Obra do PSDB e de seus aliados.