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Acesso em: 06 abr 2012
EcoDebate
Cidadania & Meio Ambiente
O caso
Pinheirinho: um desafio à cultura nacional, artigo de Jorge Luiz Souto Maior
Publicado
em fevereiro 7, 2012 por HC
O caso
Pinheirinho: um desafio à cultura nacional
Eu não
tenho onde morar
É por isso
que eu moro na areia
Eu nasci
pequenininho
Como todo
mundo nasceu
Todo mundo
mora direito
Quem mora
torto sou eu
(Dorival
Caymmi – Eu Não Tenho Onde Morar – 1960)
[EcoDebate] O que aconteceu na localidade
conhecida por Pinheirinho, em São José dos Campos, município que possui um dos
maiores orçamentos “per capita” do Brasil, pode ser considerado uma das maiores
agressões aos Direitos Humanos da história recente em nosso país.
Querem
dizer que tudo se deu em nome da lei, mas com tal argumento confere-se ao
Direito uma instrumentalidade para o cometimento de atrocidades e, pior,
tenta-se fazer com que todos os cidadãos sejam cúmplices do fato. Só que o
Direito não o corrobora. Senão vejamos.
Na base jurídica
do ato cometido está, dizem, o direito de propriedade. Um terreno foi invadido,
obstruindo-se o direito da posse tranqüila ao seu titular, e, portanto, precisa
ser desocupado. Simples assim…
Mas, o
direito de propriedade, conforme previsto constitucionalmente, deve atender à
sua função social (art. 5º. XXIII, da CF). Sem esse pressuposto nenhum direito
de propriedade pode ser exercido.
A
Constituição, ainda, garante a todos os cidadãos, como preceito fundamental, o
direito à moradia (art. 6º, inserto no Título II, do Capítulo II, da CF).
Desse ponto
de vista, a ocupação, para fins de moradia, de uma terra improdutiva,
abandonada, sobre a qual o proprietário não exerce o direito de posse, que não
serve sequer ao lazer e que pela sua localidade e tamanho precisa,
necessariamente, atender a uma finalidade social, não é mera invasão. Trata-se,
em verdade, de uma ação política que visa pôr à prova a eficácia dos preceitos
constitucionais, cabendo esclarecer que essa não é uma temática exclusiva do
meio rural já que as normas jurídicas mencionadas não fazem essa diferenciação
e também a Constituição de 1988 passou a admitir o usucapião de imóveis urbanos
(art. 183).
Assim,
diante de uma ocupação dessa natureza compete ao proprietário, que pretenda
recuperar a posse da terra, com o pressuposto que de fato a exerça, demonstrar
que sua propriedade cumpre uma função social, tendo direito, inclusive, a uma
decisão liminar, proferida logo no início do processo judicial, quando o
esbulho tenha ocorrido a menos de um ano e um dia da propositura da ação
possessória. Vale reforçar: como fundamento da ação não basta demonstrar o
título de propriedade. Deve-se demonstrar a posse e provar que a propriedade
cumpre uma função social. Do contrário, a ocupação representa uma desapropriação
indireta do imóvel, que recupera a função social da propriedade, agindo o
particular em substituição ao Estado, que se mostra inerte em duplo sentido: no
aspecto da realização de políticas públicas efetivas de construção de moradias
dignas para todos; e no que tange à exigência plena das finalidades sociais das
propriedades privadas. Nesse caso, confere-se ao proprietário a possibilidade
de acionar judicialmente o Estado para pleitear o recebimento de indenização
equivalente ao valor de mercado do imóvel, que, então, deve ser desapropriado
para atender sua função social. Vide, a propósito, decisão proferida no
Processo n. 1.0000.00.271812-0/000(1), da Primeira Câmara Cível do Tribunal de
Justiça de Minas Gerais, Relator Des. Garcia Leão, que julgou procedente o
pedido do proprietário de receber indenização do Estado pela desapropriação.
Quando propriedades rurais ou urbanas, cuja posse não é exercida por seu
titular, e que não atendem função social alguma, estando apta a tanto, passam a
ser ocupadas por cidadãos que não têm onde morar, também os respectivos
proprietários são atingidos pela inércia do Estado, vez que só existem cidadãos
prontos para o ato em questão porque o Estado não cumpre a sua obrigação
constitucional.
Várias,
são, aliás, as decisões da Justiça do Estado de São Paulo no sentido da
afirmação da função social da propriedade, aplicada em situações análogas à do
Pinheirinho. Em sentença proferida pelo juiz Amable Lopez Soto, em janeiro de
2006, nos autos do processo n. 007.96.318877-9, em trâmite na Vara Cível do
Fórum Regional VII de Itaquera, restou consignado:
Ocorre que
hoje a área transformou-se em um dos muitos bairros pobres de São Paulo, logo,
a partir da inação do Estado em criar as condições de moradia para milhares de
pessoas que vivem na rua, sem teto próprio, estas, por extrema necessidade,
acabaram por praticar o ato de desapropriação indireta do imóvel, repartindo o
espaço de forma a permitir uma moradia minimamente digna.
A partir da
inação do Estado parte da população fez uso de um dos instrumentos que, a
princípio, só ao Estado é permitido, o de desapropriação indireta de área que
não cumpria sua função social.
Ao final,
julgando improcedente o pedido de reintegração, concluiu:
Enfim, o
que se tem nestes autos é uma verdadeira impossibilidade de reintegração de
posse ante o tempo e a situação hoje existente, cabendo ao autor, como forma de
não se empobrecer sem justa causa e, ante a responsabilidade do Estado, propor
a ação de reparação que permita recompor, pela via da indenização, seu
patrimônio.
No corpo de
sua sentença, Amable cita várias outras decisões com igual teor.
a)
O
particular que tem sua propriedade invadida por mais de cinco mil pessoas que,
se desalojadas, não terão para onde ir, deve buscar do Poder Público a
indenização a que faz jus decorrentes da desapropriação indireta. Entretanto, a
reintegração de posse não deve ser deferida, em homenagem ao princípio da
função social que a propriedade tem, nos termos do art. 2º, IV, da Lei 4.132/62
e art. 5º, XXIII, da Constituição Federal.
(….)
…tecnicamente
a sentença não merece reparos. Mas o direito evolui, situação que,
particularmente, atingiu o direito de propriedade. Não é mais possível
idealizar a proteção desse direito no interesse exclusivo do particular, pois
hoje princípios da função social da propriedade aguardam proteção mais efetiva.
Não fora isso, a função do Judiciário, de solucionar conflitos de interesse,
não pode desprezar a necessidade de por fim ao embate posto nos autos, mas de
impedir, com a decisão dada, que outras lides venham a acontecer.
Está em
estudo um litígio entre um particular que teve suas terras inutilizadas
invadidas e um grupo de mais de cinco mil famílias que ali se instalaram por
não ter outro lugar para ficar.
Retiradas
do local, por certo deverão ocupar outro. Se particular, novo conflito será
criado. Se públicas, também o Poder Público, em tese, tem direito de
recuperá-las. O certo é que, para qualquer local onde sejam essas pessoas
levadas, o mesmo problema que aqui aparentemente se resolve será novamente
criado. Sequer condenar os requeridos a flutuar é possível, pois em tese o espaço
aéreo sobre um imóvel pertence ao dono da superfície (art. 526 do CC).
Quando o
Poder Público, responsável pela proteção de todos os cidadãos, inclusive dos
aqui requeridos, permite durante muito tempo que muitos se instalem em
determinado local, há de ser reconhecida a desapropriação indireta. É o
sacrifício do um proprietário, indenizado, entretanto, por toda a sociedade,
que servirá de solução a um conflito que se eternizaria com a simples
determinação de sua desocupação.
Entendido
que o imóvel foi, de forma indireta, desapropriado, não caberia a ação
possessória que tem por finalidade recuperar a posse em decorrência da
propriedade. Mas, tendo havido perda desta, para o interesse público em
disputa, a pretensão deve ser tão somente indenizatória contra o Poder Público
responsável pela política urbana.
Os bens
indiretamente expropriados, porque aproveitados para fins de necessidade,
utilidade pública, ou de interesse social, não podem ser reavidos in natura,
impossível vindicar o próprio bem, a ação cujo fundamento é o direito de
propriedade, visa, precipuamente, à prestação do equivalente da coisa
desapropriada, que é a indenização… (STF, RTJ 61/389). (José Luis Gavião de
Almeida, Acórdão proferido na apelação n. 823.916-7, J. 27/08/02 – RT 811/243):
b)
A
Prefeitura do Município, reconhecendo a existência do problema social ínsito
nesta ação e em duas outras de áreas contíguas que tramitam nas duas outras
varas cíveis deste foro, ajuizou ação de desapropriação ora em trâmite na 5ª
Vara da Fazenda Pública.
Pretende-se
regularizar a situação de fato já consolidada no tempo (os réus ocupam o
imóvel, no mínimo, desde 1.994), mediante pagamento de indenização a quem de
direito.
Não é
razoável que para proteção da posse de uma empresa seja destruído um bairro
inteiro numa verdadeira operação de guerra, desencadeada pelo Estado, quando
existe outra solução mais afinada com o interesse social, isto é, a
desapropriação do imóvel com o pagamento da indenização a quem faça.
(Magistrado Mário Dacache, autos do processo n. 2.122/95, juízo cível do Fórum
Regional VII de Itaquera)
c)
No caso dos
autos a coisa reivindicada não é concreta, nem mesmo existente. É uma ficção.
Os lotes de
terreno reivindicados e o próprio loteamento não passam, há muito tempo, de
mera abstração jurídica. A realidade urbana é outra. A favela já tem vida
própria, está, repita-se, dotada de equipamentos urbanos. Lá vivem muitas
centenas, ou milhares de pessoas. (…) Lá existe uma outra realidade urbana, com
vida própria, com os direitos civis sendo exercitados com naturalidade. O
comércio está presente, serviços são prestados, barracos são vendidos,
comprados, alugados, tudo a mostrar que o primitivo loteamento só tem vida no
papel. (…).
Loteamentos
e lotes urbanos são fatos e realidades urbanísticas. Só existem, efetivamente,
dentro do contexto urbanístico. Se são tragados por uma favela consolidada, por
força de uma certa erosão social, deixam de existir como loteamento e lotes.
A realidade
concreta prepondera sobre a ‘pseudo-realidade jurídico-cartorária’. Esta não
pode subsistir em razão da perda do objeto do direito de propriedade. Se um
cataclisma, se uma erosão física, provocada pela natureza, pelo homem ou por
ambos, faz perecer o imóvel, perde-se o direito de propriedade.
É verdade
que a coisa, o terreno, ainda existe fisicamente.
Para o
direito, contudo, a existência física da coisa não é fator decisivo, consoante
se verifica dos mencionados incisos I e III do art. 78 do CC (de 1.916). O
fundamental é que a coisa seja funcionalmente dirigida a um finalidade viável,
jurídica e economicamente. Pense-se no que ocorre com a denominada
desapropriação indireta. (…)
Por aí se
vê que a dimensão simplesmente normativa do Direito é inseparável do conteúdo
ético social do mesmo, deixando a certeza de que a solução que se revela
impossível do ponto de vista social é igualmente impossível do ponto de vista
jurídico. (…)
O princípio
da função social atua no conteúdo do direito. E, dentre os poderes inerentes ao
domínio, previstos no art. 524 do Código Civil (usar, fruir, dispor e
reivindicar), o princípio da função social introduz outro interesse (social)
que pode não coincidir com os interesses do proprietário. (…)
Assim, o
referido princípio torna o direito de propriedade, de certa forma, conflitivo
consigo próprio, cabendo ao Judiciário dar-lhe a necessária e serena eficácia
nos litígios graves que lhe são submetidos” (apCiv. 212.726-1-8-SP, j.
16.12.1994, Desembargador José Osório)
Não se pode
esquecer, ademais, que o Estado atual é o Estado de Direito Social e neste
sentido rege-se, juridicamente, pela obrigação de garantir a eficácia dos
direitos sociais, constitucionalmente consagrados, não lhe cabendo, portanto,
assegurar o direito de propriedade numa perspectiva meramente liberal, até
porque também esse direito está vinculado a cumprir uma função social e isso
não é retórica, tratando-se de expressão inequívoca da lei.
Em resumo,
instalado um tal conflito de ocupação, cabe ao Estado assumir sua
responsabilidade perante o problema, desapropriando o imóvel para o fim de
integrá-lo a um projeto habitacional, e não fingir que não faz parte do
problema, vendo a situação como mero embate entre particulares e, pior, impor
uma solução que atenda, exclusivamente, o interesse do direito de propriedade,
numa perspectiva liberal, passando por cima de vários outros valores integrados
ao ordenamento jurídico como Direitos Fundamentais.
No caso do
Pinheirinho o que se viu foi um profundo desrespeito à ordem jurídica.
Entendamos
o caso: em 2004, em São José dos Campos, um terreno urbano de um milhão e
trezentos mil metros quadrados, foi ocupado por algumas famílias, para fins de
moradia. O terreno pertencia a uma empresa falida, Selecta, e estava abandonado.
Até antes da ocupação o terreno não cumpria função social alguma. As famílias
em questão eram vítimas do “déficit” imobiliário daquele município, numa
situação inconcebível, já que São José dos Campos é uma das cidades mais ricas
do Brasil.
Não se
tratou, pois, de mera invasão, mas de ato político organizado para extrair o
Estado de sua inércia e para buscar a eficácia dos preceitos constitucionais do
direito à moradia e da função social da propriedade. Não se tratou, igualmente,
de ato de pessoas espertas, que quiseram se aproveitar da situação, passando à
frente na fila dos milhões de brasileiros que também não têm onde morar, pois,
como bem ponderou Ricardo Boechat, comentando o assunto, nenhum esperto tem
como projeto de vida morar em um terreno ocupado, em precárias condições
habitacionais. Os espertos estão em outros lugares, bem mais confortáveis, por
certo. Os ocupantes do Pinheirinho são, ao contrário, pessoas injustiçadas e
sofridas, vítimas da inércia de governantes que insistem em tratar as
estruturas do Estado fora da perspectiva do Direito Social e do respeito aos
Direitos Humanos. Claro, como insistiram em mostrar os autores da agressão, lá
também havia consumidores de drogas e até alguns objetos frutos de furto, mas
isso em nada altera a configuração jurídica refletida na situação, até porque
drogas se consumem, infelizmente, por todos os cantos e o encontro de objetos
furtados não representa, por si, identificação de autoria do crime e, de todo
modo, a pena pelo furto não é a perda do direito à moradia. É forçoso
reconhecer, portanto, que aquelas pessoas foram vitimadas pela histórica
péssima distribuição de renda que reina em nosso país. Nossa profunda injustiça
social está na base do fenômeno e não pode ser negligenciada.
Mas, admitamos
que toda essa análise jurídica esteja errada, que nada disso justifique o ato
cometido pelos cidadãos que se tornaram, pela ocupação, moradores do
Pinheirinho. Partamos do princípio de que um erro não justifica o outro e que
não se corrige a ilegalidade da inércia do Estado com outra ilegalidade,
cometida pelo particular. Reconheçamos, enfim, que houve um ato ilegal pela
“invasão” e que a autoridade do ordenamento jurídico precisava mesmo ser
recomposta.
O problema
é que para que a recomposição da realidade anterior todas as inserções
jurídicas do fato consumado precisavam ser consideradas. Quando se coloca em
pauta a autoridade do ordenamento jurídico é do todo jurídico que se fala e não
de um aspecto único e isolado. Assim, mesmo abstraindo as noções de que a
ocupação para moradia não se trata de mera invasão e de que a retomada da posse
precisa passar pelo crivo da avaliação da função social da propriedade, a
efetivação do direito do proprietário de reaver a posse do imóvel deve ser
confrontado com outros direitos que porventura estejam em jogo na situação
fática existente. O ato da reintegração, por conseguinte, não pode ser feito de
forma a atingir a integridade física das pessoas, mesmo se tratadas,
juridicamente, como “invasoras”, conforme já fixado pelo STJ em decisão
proferida em pedido de intervenção federal no Estado do Mato Grosso, requerida
pela Massa Falida de Provalle Incorporadora Ltda, por não haver o Governador
daquela unidade federativa atendido requisição de força policial do Juízo de Direito
da Vara de Falências e Concordatas de Goiânia – GO – para dar cumprimento a
mandado de reintegração de posse em área de 492.403m²:
EMENTA
DIREITO CONSTITUCIONAL. INTERVENÇÃO FEDERAL. ORDEM JUDICIAL. CUMPRIMENTO.
APARATO POLICIAL. ESTADO MEMBRO. OMISSÃO (NEGATIVA). PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE. PONDERAÇÃO DE VALORES. APLICAÇÃO. 1 – O princípio da
proporcionalidade tem aplicação em todas as espécies de atos dos poderes
constituídos, apto a vincular o legislador, o administrador e o juiz,
notadamente em tema de intervenção federal, onde pretende-se a atuação da União
na autonomia dos entes federativos. 2 – Aplicação do princípio ao caso
concreto, em ordem a impedir a retirada forçada de mais 1000 famílias de um
bairro inteiro, que já existe há mais de dez anos. Prevalência da dignidade da
pessoa humana em face do direito de propriedade. Resolução do impasse por
outros meios menos traumáticos. 3 – Pedido indeferido. (INTERVENÇÃO FEDERAL Nº
92 – MT (2005⁄0020476-3) – RELATOR: MINISTRO FERNANDO GONÇALVES)
No caso
Pinheiro esse entrelace de direitos foi solenemente ignorado, a começar pelos
aspectos processuais. A ação política da ocupação do terreno teve início em
2004. No mesmo ano, o proprietário do imóvel, a Massa Falida da empresa
Selecta, ingressou com a ação de reintegração, mas não obteve decisão liminar
favorável à sua pretensão. Interpôs, então, recurso denominado agravo de
instrumento, tendo conseguido, junto à 16ª. Câmara do Tribunal de Justiça, a
concessão da liminar para a reintegração. Mas, tal decisão, em virtude de
vícios processuais formais, foi cassada, mediante mandado de segurança,
impetrado pelos moradores. O processo, então, prosseguiu seus trâmites normais,
com diversos embates jurídicos, sendo que em 2010 a nulidade do meio processual
utilizado pela Massa Falida para tentar reformar a decisão que negou a liminar
foi confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça, prevalecendo, então, a
decisão inicial, que negou a liminar de reintegração.
Nesse meio
tempo, a ocupação foi se organizando ainda mais e se consolidou com a
constituição de uma Associação de Moradores, que urbanizou o local com a
formação de ruas, praças e a divisão do terreno em lotes com 250 metros
quadrados, obedecendo-se, ainda, a regra, fixada pela Associação, de uma família
por terreno. Formou-se no lugar um autêntico bairro, com novos moradores,
pessoas oriundas da comunidade local, São José dos Campos, trabalhadores com
ocupações diversas e também, é claro, desempregados, que para lá se dirigiam e
investiam na construção de suas casas, agindo de tal forma, com boa-fé,
principalmente em razão do aceno dado pelas três esferas do poder, Federal,
Estadual e Municipal, em torno da possibilidade concreta da regularização da
situação. Representantes das esferas do Poder visitaram por diversas vezes a
comunidade.
E, de
repente, em julho de 2011, uma nova juíza atuando no processo, tendo ciência da
definição da questão pelo STJ, que consolidava a situação favorável aos
moradores, concede liminar para a reintegração de posse, sem motivação
específica baseada em fato novo.
É isso
mesmo! O que se viu no Pinheirinho teve por fundamento uma decisão liminar,
concedida sete anos e meio depois do ingresso da ação de reintegração, não se
considerando a alteração fática havida no local, que, em verdade, apenas
reforçava as razões para a rejeição da reintegração, ainda mais em sede de
decisão liminar. É evidente, pois, a impropriedade da medida, de caráter
liminar, insista-se, diante do tempo já decorrido, que eliminou a urgência para
esse tipo de solução para um conflito tão complexo, estando, ademais,
ultrapassado, há muito, o requisito do ano e dia, e, sobretudo, em razão da
profunda alteração fática advinda no local desde o início do processo. Segundo
o Censo realizado pela própria Prefeitura de São José dos Campos, já viviam no
local 1.577 famílias, ou, mais precisamente, 5.488 pessoas, sendo 2.615 com
idade entre 0 e 18 anos. Além disso, o assentamento, ou bairro como também era
tratado, continha 81 pontos comerciais, seis templos religiosos e um galpão
comunitário.
Bem se vê
que a questão envolvia um feixe enorme de direitos, não estando em jogo única e
exclusivamente o direito de propriedade da Massa Falida. Assim, ainda que fosse
para privilegiar o direito de propriedade da Massa Falida, sem a necessidade de
justificá-lo pelo pressuposto da finalidade social, haver-se-ia, no mínimo, que
assegurar que outros direitos não fossem, simplesmente, desprezados.
O ato da
desocupação, portanto, mesmo se considerada legítima, deveria ser precedido de
uma organização tal que permitisse a preservação dos demais direitos
envolvidos. Ainda que os moradores se apresentassem armados, dispostos a lutar
contra a ordem judicial, as negociações, com todos os meios institucionais
possíveis, deveriam conduzir à solução da situação. E, ademais, era o que se
anunciava, tanto que a própria Massa Falida assinou documento, levado ao
processo da falência, aceitando a prorrogação da efetivação da ordem de
reintegração. No Pinheirinho houve até festa para comemorar a reabertura das
negociações, que não se encaminhavam, propriamente, em torno da forma de
reintegração, mas na direção, enfim, da desapropriação por atuação direta da
Federação, o que talvez não interessasse aos propósitos especulativos locais e
às pretensões eleitorais dos governos do Estado e do Município.
Assim, o
que se verificou na seqüência, já no dia seguinte, foi uma reviravolta
inexplicável da postura do Judiciário frente às possibilidades de negociação e
a utilização da “trégua” como estratégia para desarmar os moradores,
possibilitando a concretização da violência policial, típica de uma guerra,
contra os cidadãos do Pinheirinho, ação esta que já estava preparada, por
certo, há muitos dias, diante de seu vulto, e que vai ficar para os anais da
nossa história, em razão dos efeitos produzidos, como uma das maiores
aberrações humanitárias já vistas, ainda que os seus comandantes a queiram
apontar como uma ação “limpa”, conforme assinalado pelo juiz Rodrigo Capez,
assessor da presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo: “Pelo Poder
Judiciário, representando a presidência do TJ, gostaríamos de expressar nosso
agradecimento pelo belo trabalho executado pela Polícia Militar. Uma ação bem
planejada e muito bem executada. Para aqueles que imaginavam que haveria um
novo Eldorado do Carajás, um massacre, essa ação limpa demonstrou que esses
temores eram absolutamente infundados. Hoje se cumpre a reintegração de posse”1.
Em concreto,
o Poder Judiciário e o Governo do Estado de São Paulo se uniram contra os
moradores do Pinheirinho, tratando-os como inimigos. Não cola o argumento da
defesa da legalidade e do resgate da autoridade do ordenamento jurídico, como
visto. E mesmo que houvesse, repita-se, por que, depois de quase oito anos de
uma situação consolidada, em que um terreno baldio, que servia à especulação
imobiliária, foi transformado em um bairro de moradores de baixa renda, teve-se
tanta pressa para devolver a posse do terreno à Massa Falida? Por que, para
chegar a esse objetivo, mobilizar 2.000 Policiais Militares, helicópteros, cães
e armas de todo tipo (ainda que menos letais)? Por que expulsar, de forma
abrupta e violenta, pessoas de suas casas na calada da noite de um domingo,
fazendo com que essas pessoas deixassem para trás seus pertences, utensílios,
roupas e até documentos? Por que fazer tudo isso sem qualquer preocupação com a
condição humana dessas pessoas, conduzindo-as a abrigos improvisados, sem
condições minimamente dignas de sobrevivência? (As imagens dos abrigos falam
por si e tendo constatado a situação in loco posso assegurar que as imagens não
refletem o total drama vivido por aquelas pessoas). Por que submeter essas
pessoas, nos abrigos, ao uso de pulseiras com cores diferentes, para que
pudessem ser identificadas como moradoras do Pinheirinho? Por que deixarem
crianças e jovens assistirem tamanha brutalidade contra seus pais? Que mal
essas crianças cometeram? Que tamanho mal, ademais, cometeram todos aqueles que
lá estavam à procura de um lugar para morar, sendo certo que não era um lugar
nenhum pouco glamoroso? Por que passar um trator por cima das casas e
estabelecimentos comerciais que foram construídos no local ao longo de oito
anos de consolidação do bairro?
Tudo isso
para entregar o terreno a uma Massa Falida, que nunca se preocupou com a função
social daquela propriedade e que certamente não vai exercer a posse sobre o
terreno?
Ora, em
nenhuma ponderação de valores que se faça da situação vivenciada, atendendo os
pressupostos da razoabilidade e da proporcionalidade, vai se chegar ao peso que
foi dado ao interesse da Massa Falida, valendo acrescentar que a empresa em
questão, Selecta, proprietária do imóvel, também ela, nunca cumpriu qualquer
função social, jamais tendo produzido um alfinete sequer, vez que foi
constituída apenas para servir de fachada nas intermediações de negociações
imobiliárias das empresas de um grupo econômico. No processo de falência
respectivo, inclusive, não há credores trabalhistas ou quirografários. O único
credor é o próprio Estado, sobretudo o Município de São José dos Campos, com
relação à dívida de IPTU, em torno de R$14.000.000 (quatorze milhões de reais).
Alguma
razão não muito clara, que pode ser, por hipótese, um melindre entre as esferas
de Poder Estadual e Federal, já que uma autorizava a reintegração e a outra a
recusava, ou que pode ser a necessidade do governo estadual de afirmar sua
autoridade diante dos movimentos sociais, sobretudo diante do alcance eleitoral
que a questão atingiu, foi determinante para que a Justiça Estadual, em ato que
chegou a ser reivindicado pelo Presidente do Tribunal, que enviou assessor
direto para cuidar do assunto, passasse por cima de todos os Direitos Humanos
envolvidos e determinasse a reintegração da posse, sendo auxiliada, com a maior
presteza possível, pelo governo Estadual, que, com a intervenção direta do
próprio governador, autorizou a instauração de uma ação de guerra contra os
cidadãos do Pinheirinho.
É isso
mesmo! Os nossos co-cidadãos foram vítimas de uma ação militar típica de
guerra, que foi programada durante quatro meses, conforme reconheceu, em
recente entrevista, a juíza do processo de reintegração, e que, por isso mesmo,
precisou ser executada passando por cima até do acordo judicial assinado pelas
partes, no processo da falência, em torno da suspensão da reintegração. E um
dado extremamente importante deve ser destacado, que torna a origem da ação
policial, a mando do Estado de São Paulo, ainda mais questionável: em entrevista
ao Jornal, O Vale, a juíza do processo de reintegração, que concedeu a liminar,
confessou que o ato policial não estava plenamente sob o seu controle e que
sabia dos riscos que estava impondo aos moradores do Pinheirinho. Disse ela,
textualmente: “A operação me surpreendeu, positivamente.”
Seja como
for, o fato é que os cidadãos do Pinheirinho foram tratados como inimigos do
Estado. Foram presos sem processo, já que ficaram várias horas impossibilitados
de sair do assentamento, enquanto a Polícia mantinha luta aberta contra
moradores do bairro vizinho que se insurgiram contra ação policial intentada no
local. Foram marcados como se estivessem em um campo de concentração. Foram
desalojados. Foram conduzidos, por força, a um local inabitável, sem qualquer
condição de higiene, não tendo havido, inclusive, qualquer cuidado especial com
crianças, idosos e doentes. Ou seja, foram profundamente agredidos em sua
dignidade. Registre-se, a propósito, que se trata de Princípio Fundamental da
República Federativa do Brasil a proteção da dignidade da pessoa humana (art.
1º. III, CF) e que constituem objetivos fundamentais da República “construir
uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional;
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º., CF), valendo
lembrar, ainda, que o Brasil deve reger-se nas suas relações internacionais
pela “prevalência dos direitos humanos” (art. 4º. II, CF).
Os
moradores do Pinheirinho, inclusive, tiveram o seu direito de propriedade, com
relação aos seus pertences, desrespeitado e continuam, ainda hoje, sem que o
Estado reconheça sua responsabilidade quanto ao problema do qual tudo se
originou: a ausência de moradia.
Em
concreto, aquelas pessoas, que de boa-fé puderam acreditar em um projeto de
vida, por mais precário que fosse, com a formação do Pinheirinho, estão agora
mendigando local para se alojar e, de certo modo, estão sendo tratadas como
animais.
E o pior
disso tudo é que essa situação foi imposta pelas forças institucionalizadas do
Estado, cuja função seria a de, em primeiro plano, proteger o cidadão. E,
ademais, quem vai pagar pela operação realizada? Os custos da operação serão
calculados e inseridos no processo? Certamente não e a sociedade como um todo,
portanto, arcará com a despesa que se fez necessária para a prática do ato
destinado à defesa da posse de um terreno privado e que, ao mesmo tempo,
soterrou vários Direitos Humanos. Vai se dizer que o governo estadual colaborou
com a Justiça para a efetivação de uma ordem judicial, mas esse mesmo governo
não se tem mostrado nenhum pouco colaborador no que se refere às decisões judiciais
que visam o resgate da autoridade dos direitos sociais de incontáveis cidadãos.
O Estado de São Paulo deve cerca de R$20 bilhões em precatórios, que se
arrastam interminavelmente, sendo R$15 bilhões a título de créditos
trabalhistas e previdenciários.
A questão
mais relevante que se apresenta, de todo modo, é: o que fazer agora?
Solidarizar-se
com os ex-moradores do Pinheirinho é importante, mas não basta.
É preciso
que a autoridade do ordenamento jurídico, visto de forma integral, seja
imediatamente recobrada. Há urgência na prevenção e reparação dos direitos, que
foram desrespeitados, dos, agora, “ex-moradores” do Pinheirinho.
Se o Estado
se mostrou eficiente para preservar o direito de propriedade, cumpre-lhe,
presentemente, demonstrar a mesma presteza para garantir a essas pessoas uma
moradia digna e para reparar as agressões de que foram vítimas. Essa
eficiência, alias, seria necessariamente antecedente à reintegração manus
militaris operada, mas deve, enfim, ser operada. Assim, em razão de sua inércia
perante o problema e por terem, pela própria inação, induzido os moradores do
Pinheirinho a acreditarem na viabilidade do assentamento, e por terem sido
completamente incapazes de construir uma solução para o problema, jogando tudo
nas mãos do Judiciário, devem ser responsabilizados o Município de São José dos
Campos, o Estado de São Paulo e mesmo o Governo Federal, sendo que o Judiciário,
nas ações judiciais que venham a ser movidas, deve, mostrando que sua eficácia
não tem lado, conceder liminar para obrigar os entes mencionados a pagarem
indenização aos desalojados pelos danos pessoais experimentados, considerando a
forma como foram tratados, assim como para determinar às esferas de poder
competentes a construção imediata de casas com, no mínimo, o mesmo padrão que
essas pessoas possuíam, com todos os seus utensílios, garantindo-lhes, enquanto
a obra não for concluída, uma ajuda de custo para moradia e alimentação, sob
pena de multa e demais conseqüências legais por desobediência à ordem judicial,
mobilizando, para fazer cumprir a decisão garantidora dos Direitos Humanos, se
necessário, o mesmo aparato policial utilizado na ação de reintegração de
posse. E o terreno para tanto? Bom, cumpre aos entes públicos encontrá-lo!
Independente
disso, a questão deve ser levada, imediatamente, à Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, para que o Estado brasileiro não reste impune, em suas
relações internacionais, da grave agressão aos Direitos Humanos que permitiu
ocorrer em seu território, conforme preconizado no Manifesto de Juristas,
organizado pelo professor Fábio Konder Comparato e o Procurador do Estado de
São Paulo, Márcio Sotelo Felippe2.
E se nada
disso puder ocorrer? E se for apenas um devaneio acreditar que tais respostas
jurídicas possam ser dadas à presente situação? Sem que outras medidas,
igualmente eficazes para reparar os Direitos Humanos agredidos, se apresentem,
há se questionar, então, se não é hora de re-fundar o Brasil, a começar pelo
Impeachment dos responsáveis pelas atrocidades identificadas no caso do
Pinheirinho, não sendo demais lembrar que no caso do Estado de São Paulo o fato
se insere em um contexto determinado de enfrentamento aos movimentos sociais,
de desrespeito às liberdades democráticas e de ataque à pobreza por meio de
força bruta.
O caso
Pinheirinho foi muito grave e a sociedade brasileira como um todo está
desafiada a encontrar soluções que recomponham, imediatamente, a credibilidade
na eficácia do Estado Democrático de Direito Social, instituído
constitucionalmente.
O maior
risco que vislumbro em situações como estas é o da produção, e acatamento, de
argumentos que tentam legitimar as atrocidades verificadas, desconsiderando-as
enquanto tais ou as justificando por intermédio do Direito, como se os atores
não fossem responsáveis pelos seus atos, apresentando-se apenas como espécies
de escravos de uma imposição legislativa. Essa racionalidade é destruidora dos
vínculos de solidariedade, desvirtua a finalidade social e humanística do
Direito e das estruturas de poder, gera a perda da própria consciência humana
e, no caso específico do Brasil, acaba servindo para preservar, sem
possibilidade concreta de oposição, a injustiça social que assola a maior parte
da população brasileira. A falta de moradia e o desrespeito à dignidade humana
das classes economicamente menos favorecidas, aliás, chegam a fazer parte da
cultura nacional. E, “se o senhor num tá lembrado, dá licença de contá. Ali
onde agora está esse adifício arto era uma casa véia, um palacete assobradado.
Foi ali, seu moço, que eu, mato Grosso e o Joça, construímo nossa maloca. Mas
um dia, nóis nem pode se alembrá, veio os home c’as ferramenta, o dono mandô
derrubá. Peguemo todas nossas coisa, e fumo pro meio da rua apreciá a
demolição. Que tristeza que nóis sentia, cada táuba que caía, doía no coração.
Matogrosso quis gritá, mas em cima eu falei: ‘Os home tá com a razão, nóis
arranja outro lugá’. Só se conformemo quando o Joca falô: ‘Deus dá o frio
conforme o cobertô’. E hoje nóis pega as paia nas grama dos jardim, e pra
esquecê nóis cantemo assim: Saudosa maloca, maloca querida, qui dim donde nóis
passemo os dias feliz da nossa vida.”3
Uma
cultura, ao mesmo tempo, de insensibilidade e de resignação com a injustiça,
que o próprio Adoniram Barbosa, em 1969, tentou mudar, com nova música, Despejo
na Favela, a qual, no entanto, não restou tão difundida quanto a primeira:
Quando o
oficial de justiça chegou
Lá na
favela
E contra
seu desejo
Entregou
prá seu Narciso
Um aviso
prá uma ordem de despejo, assinada seu Doutor
Assim dizia
a petição:
Dentro de
dez dias quero a favela vazia e os barracos todos no chão
É uma ordem
superior,
Ôôôôôôôô,
meu senhor, é uma ordem superior
Não tem
nada não seu Doutor,
Não tem
nada não
Amanhã
mesmo vou deixar meu barracão
Não tem
nada não seu Doutor
Vou sair
daqui
Prá não
ouvir o ronco do trator
Prá mim não
tem problema
Em qualquer
canto me arrumo
De qualquer
jeito me ajeito
Depois o
que eu tenho é tão pouco
Minha
mudança é tão pequena que cabe no bolso de trás
Mas essa
gente aí, hein, como é que faz????
Pois é, já
passou mesmo da hora de alterar a base cultural em torno das questões sociais
para reescrevermos nossa história!
__________
1http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/01/25/pm-e-justica-restituem-posse-de-pinheirinho-e-exaltam-operacao.htm
2http://www.viomundo.com.br/denuncias/juristas-e-entidades-comprometidos-com-a-democracia-denunciam-caso-pinheirinho-a-oea.html
3 Adoniram
Barbosa, “Saudosa Maloca”, 1951.
1 Juiz do Trabalho, titular da 3ª. Vara do Trabalho
de Jundiaí, membro da Associação Juízes para a Democracia e professor
livre-docente da Faculdade de Direito da USP. O artigo, abaixo, está
disponibilizado na internet no seguinte endereço: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI149026,31047-O+Caso+Pinheirinho+um+desafio+a+cultura+nacional
Colaboração
de Gilvander Moreira,
frei Carmelita, para o EcoDebate,
07/02/2012
e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br
www.twitter.com/gilvanderluis
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