Disponível em:
http://colunas.revistaepoca.globo.com/paulomoreiraleite/2012/02/08/pm-e-entulho-autoritario-lembra-disso/
Acesso em: 31 mar 2012
13:46, 8/02/2012
Paulo Moreira Leite
A expressão “entulho autoritário” surgiu no fim da
ditadura, quando se pretendia denunciar e eliminar heranças do regime militar
que sobreviveram à mudança de regime. Hoje em dia, convive-se com vários
“entulhos autoritários” e tem gente que até acha bom.
A Lei de Anistia, por exemplo, é um entulho
autoritário. Foi criada pelo general João Figueiredo, quando o país era uma
ditadura e o parlamento era corretamente definido como “Congresso fantoche.”
Mas há quem acredite que ela serve para manter o pacto democrático em que
vivemos e não aceita a idéia de rever a interpretação de que ela assegurou
anistia prévia aos torturadores.
Outro entulho autoritário é a Polícia Militar. A PM
foi criada em 1970, como um braço auxiliar do Exército para reprimir e
controlar a população civil. Já existia, é verdade, a Força Pública. Mas se
queria uma corporação mais dura, mais bruta, sob controle direto dos generais
do Exército, instituição que realmente governava o país no momento. Foi assim
que nasceu a PM.
Ela possui serviço de inteligência, como o Exército.
Infiltra agentes a paisana em movimentos civis — o que é absurdo. Tem
disciplina, formação política, orientação ideológica — como o Exército. E é
intocável — como o Exército.
Uma das estrelas da insignia da PM refere-se ao
golpe de 64.
A greve da PM na Bahia com todo seu festival de
violência e desafios às autoridade é inaceitável. A tragédia ficou clara não só
na ocorrência de homicídios, mas no ambiente de desafio à ordem democrática.
Greve de categoria armada é motim.
Embora muito mais grave, com risco de repetir-se em
vários Estados, esta paralisação é mais um episódio a mais, que demonstra as
dificuldades da instituição em conviver com o regime democrático e dar um
tratamento à altura à população que deveria proteger.
A pancadaria na periferia já é um dado banal e
permanente da população pobre. E se parecia elitismo querer a PM fora da USP, a
pancadaria em cima de um estudante que recusou-se a mostrar a carteirinha de
aluno numa situação em que isso era claramente uma forma de discriminação
obriga a uma segunda reflexão a respeito.
A PM porta-se como uma instituição soberana, que não
presta contas a ninguém. Apesar do nome, não tem vocação para trabalho de
polícia. Atua como tropa de ocupação, um exercito em terra estrangeira. Essa
era sua doutrina, no passado. Mudou?
É incontrolável. Tanto que, em São Paulo, de vez em
quando os governadores falam em “soltar” a Rota, numa expressão que dispensa
comentários. Muitos governadores preferem soltar a PM sobre a população porque
isso dá Ibope. O saldo está aí, à vista de todos.
Seria um erro imaginar que a PM não é capaz de fazer
um bom trabalho, quando é mantida sob disciplina e bem orientada. O Brasil
precisa de policia, sim. E ela deve usar a violencia, quando for necessário.
O fenômeno das UPPs, no Rio de Janeiro, seria
impensável sem a PM. Mas as milicias, que atuam no mesmo Estado, também são
parte da PM.
Essa situação mostra que está na hora de remover o
entulho autoritário. A PM, como tropa de ocupação, não dá. Uma democracia nunca
será protegida por uma instituição construída para proteger uma ditadura. A PM
precisa de uma reforma ampla, geral e quase irrestrita.