Disponível em:
http://blog-sem-juizo.blogspot.com/2012/01/xi-de-agosto-e-cracolandia.html
Acesso em: 18 fev 2012
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
Estudantes e professores de direito repudiam
"dor e sofrimento"
A pedido, publico abaixo nota pública divulgada pelo
Centro Acadêmico XI de Agosto (dos estudantes da Faculdade de Direito-USP),
subscrita também por entidades e professores de Direito, a respeito dos
episódios que envolvem a ação policial na Cracolândia em São Paulo.
Para a entidade, o plano é errado tanto na
concepção, quanto na execução: "A simples e violenta retirada dos usuários
de crack do espaço público não resolve o problema de uma população já
desamparada, que não tem outro lugar aonde ir e que sofrerá forte repressão
policial para somente então, e em visão equivocada, perambular em busca de uma ajuda
incerta", diz a nota.
NOTA DE REPÚDIO À POLÍTICA DE "DOR E
SOFRIMENTO" NA CRACOLÂNDIA
O Centro Acadêmico XI de Agosto, entidade
representativa dos estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco
(USP), vem a público manifestar repúdio ao Plano de Ação Integrada Centro
Legal, iniciado em 03 de janeiro de 2012 na Cracolândia, região central de São
Paulo.
O plano é errado tanto na sua concepção, quanto no
modo como é executado. Esse projeto envolve a ação da Polícia Militar na
região, buscando inibir o tráfico de drogas e dispersar os seus usuários, que
também seriam impedidos de se fixar em outros locais. A denominada “política de
dor e sofrimento” visa provocar abstinência nos usuários de crack, a partir da
qual, em visão equivocada, eles buscariam tratamento junto ao Poder Público.
Deve-se atentar, primeiramente, à fragilidade desse
plano, pois parte do pressuposto que o sentimento de fissura do usuário em
abstinência ocasionará seu interesse em buscar tratamento, ignorando os demais efeitos,
como outros problemas de saúde ou reações violentas à abstinência. Ainda que
essa política agressiva e desumana em andamento efetivamente gerasse busca por
tratamento, a cidade de São Paulo não teria condições para atender os usuários,
pois carece de estrutura adequada para tanto. E pouco se faz a esse respeito.
Diversos agentes do Poder Público também têm
reiterado que a migração dos usuários a outras regiões será combatida,
concluindo-se, então, que a operação será estendida para outros pontos da
cidade. Transparece, dessa forma, a adoção de uma estratégia que somente
expulsa os usuários de um lugar a outro, continuamente, em detrimento da oferta
de alternativas reais de reabilitação que respeitassem verdadeiramente a
dignidade dessas pessoas e visassem, de fato, recuperar sua saúde.
A execução do plano é reflexo dos problemas em sua
concepção. As autoridades afirmam que o crack é uma questão de saúde pública. A
prática, entretanto, prova o contrário. A ação policial ostensiva, planejada e
detalhada, reprime o usuário e contrasta com a nebulosidade do plano de ação
referente à recuperação da saúde dessas pessoas. O alvo da polícia, que seria o
tráfico, acaba sendo o usuário. A eficácia no combate ao tráfico é mínima e o
desrespeito aos usuários, enquanto seres humanos, enorme.
O Plano de Ação Integrada Centro Legal limita-se,
portanto, à ação policial direcionada aos usuários e tem ensejado constantes
violações aos seus direitos. É inadmissível, em um Estado Democrático de
Direito, que agentes do Poder Público cometam repetida e sistematicamente atos
de agressão física e moral contra os cidadãos, em claro abuso de autoridade e
desrespeito aos direitos humanos. O combate ao tráfico de drogas não pode
servir de pretexto para ignorar a necessidade de implementação de políticas
públicas de saúde e assistência social para uma população marginalizada e
doente.
A simples e violenta retirada dos usuários de crack
do espaço público não resolve o problema de uma população já desamparada, que
não tem outro lugar aonde ir e que sofrerá forte repressão policial para
somente então, e em visão equivocada, perambular em busca de uma ajuda incerta.
Sendo assim, as entidades e pessoas abaixo assinadas
declaram que:
Não admitem que os usuários de crack, parcela vulnerável
e marginalizada da nossa sociedade, tenham como tratamento estatal a ação
policial repressiva no lugar da implementação de políticas de saúde pública e
de assistência social;
Não admitem que essa população seja expulsa dos
espaços públicos que ocupa, sendo forçada a uma migração permanente, em que não
há real perspectiva de melhora de vida;
Não admitem que uma operação estatal seja realizada
em desrespeito aos direitos humanos, e que agentes estatais cometam
sistematicamente atos de agressão física, moral e patrimonial contra a
população, de modo indevido e impunemente.
Centro Acadêmico XI de Agosto – Faculdade de Direito
da USP
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
Centro Franciscano – SEFRAS
Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama – Faculdade de
Direito da USP
Instituto Luiz Gama
Instituto Polis
Instituto Práxis de Direitos Humanos
Instituto Terra Trabalho e Cidadania – ITTC
Núcleo de Antropologia Urbana da USP
Pastoral Carcerária
SAJU – Faculdade de Direito da USP
UNEafro-Brasil
Alamiro Velludo Salvador Netto – Professor Doutor do
Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de
Direito da USP
Alvino Augusto de Sá – Professor Doutor do
Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e criminologia da Faculdade de
Direito da USP
Alysson Leandro Barbate Mascaro – Professor do
Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da
USP
Amando Boito Jr. – Professor da Unicamp
Antônio Carlos Amador Pereira – Psicólogo e
Professor da PUC-SP
Antônio Magalhães Gomes Filho – Professor Titular de
Processo Penal e Diretor da Faculdade de Direito da USP
Caio Navarro de Toledo – Professor do IFCH da
Unicamp
Celso Fernandes Campilongo – Professor Titular do
Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da
USP
Eros Roberto Grau – Professor Titular aposentado da
Faculdade de Direito da USP e Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal
Dimitri Dimoulis – Professor de Direito
Constitucional da Direito GV
Geraldo José de Paiva – Professor Titular do
Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da
USP
Gilberto Bercovici – Professor Titular do
Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Faculdade de
Direito da USP
Jorge Luiz Souto Maior – Professor Associado do
Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de
Direito da USP
José Antonio Pasta Junior – Professor Livre-Docente
da Faculdade de Letras da FFLCH USP
José Guilherme Cantor Magnani – Professor
Livre-docente do Departamento de Antropologia da FFLCH-USP
José Tadeu de Chiara – Professor do Departamento de
Direito Econômico, Financeiro e tributário da Faculdade de Direito da USP
Lídia de Reis Almeida Prado – Professora Doutora do
Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da
USP
Marcio Naves – Professor de Sociologia do IFCH –
Unicamp
Marcio Suzuki – Professor da Faculdade de Filosofia
da FFLCH USP
Marcus Orione – Professor Associado do Departamento
de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP
Mario Gomes Schapiro – Professor da Direito GV
Mariângela Gama de Magalhães Gomes- Professora
Doutora do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da
Faculdade de Direito da USP
Miguel Reale Júnior – Professor Titular do
Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de
Direito da USP e ex-Ministro da Justiça
Nádia Farage – Diretora do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Unicamp
Otávio Pinto e Silva – Professor Associado do
Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de
Direito da USP
Paulo Eduardo Alves da Silva – Professor do
Departamento de Direito Privado e Processo Civil da Faculdade de Direito de
Ribeirão Preto – USP
Ricardo Antunes – Professor de Sociologia do IFCH –
Unicamp
Samuel Rodrigues Barbosa – Professor Doutor do
Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da
USP
Sérgio Salomão Shecaira – Professor Titular do
Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de
Direito da USP“
Postado por Marcelo Semer às 00:21
Marcelo
Semer, 45 anos, juiz de direito em São Paulo e escritor.
Membro e ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia, autor do romance
"Certas Canções". Colunista no Terra Magazine.