Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/09/de-cada-5-assassinatos-registrados-na-cidade-de-sp-1-e-de-autoria-da-pm.html
Acesso em: 4 set 2011
04/09/2011 07h26 - Atualizado em 04/09/2011
07h48
De cada 5
assassinatos registrados na cidade de SP, 1 é de autoria da PM
Em 2011,
capital do Estado teve 629 pessoas mortas, 128 pela polícia.Corporação diz que 60% dos confrontos no período não tiveram mortos.
Raphael Prado Do G1 SP
Nos primeiros meses do ano, entre janeiro e julho, 629 pessoas
foram assassinadas na capital paulista. Deste total, 128 registros foram feitos
como “pessoas mortas em confrontos com a Polícia Militar em serviço”. O tipo de
ocorrência, conhecido em outros estados como “auto de resistência”, é um
indicativo de revides da PM a ataque de criminosos ou enfrentamento em ação
policial.
Em todo o estado de São Paulo, no primeiro semestre de 2011, foram
registrados 2.241 homicídios. Desses, 241 foram cometidos por policiais - o que
dá uma proporção de um assassinato pela PM para cada 9,3 cometidos por outros
cidadãos.
A proporção de um assassinato cometido pela polícia para cada
cinco que acontecem na capital faz da PM na cidade uma das tropas mais
violentas do mundo. Nos Estados Unidos, em 2009, foram registradas 406 mortes
causadas por policiais em um total de 14.402 homicídios - o que significa que
de cada 34 assassinatos um foi cometido pela polícia norte-americana.
Na Argentina, de acordo com o CELS (Centro de Estudos Legais e
Sociais), em todo o ano de 2007 – os últimos dados disponíveis –, a região
metropolitana de Buenos Aires (que tinha, à época, 12 milhões de habitantes)
registrou 79 casos de pessoas mortas em confronto com a polícia. Neste mesmo
2007, só na capital paulista – excluídas as cidades da Grande São Paulo -, a PM
registrou 203 mortes “em confronto”. Moram na capital 11 milhões de habitantes.
Na semana passada, tornou-se público um vídeo em que policiais
observam um
homem agonizando e outro ferido atrasando o atendimento e pedindo que eles
“estrebuchem”. A PM investiga
dez policiais pela conduta mostrada nas imagens.
Para o deputado estadual Adriano Diogo (PT), presidente da
Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo, os dados
informados pela secretaria são “subdimensionados”. “A execução está liberada no
estado”, afirma o parlamentar.
Ele diz que não vê perspectivas de redução nesse índice de
letalidade da PM. “Porque tem um calor, um coro midiático pedindo sangue”, diz.
“Antigamente estava-se tentando legalizar a pena de morte. Hoje não precisa
mais. Ela está institucionalizada”, afirma, acrescentando que o método de
registro dessas ocorrências é o mesmo que se usava no regime militar. “Matavam
as pessoas e o resultado era ‘morreu atropelado’, ‘resistência seguida de
morte’. Agora acontece o mesmo”, diz. As vítimas, segundo o deputado,
geralmente são jovens, negros e pobres da periferia.
A PM, por meio da assessoria de imprensa, diz que o confronto
fatal é o “último recurso” adotado pelos policiais em caso de abordagem. A corporação
informa que, no primeiro semestre de 2011, na capital paulista, não houve
mortes em 60% dos confrontos – “quando existiu necessidade de confronto” – e
82% dos envolvidos foram somente presos ou feridos.
A Polícia Militar afirma ainda que é necessário “fazer distinção”
entre os homicídios dolosos e as mortes decorrentes de abordagens policiais
porque são “situações sociais distintas” e que casos como a negativa de socorro
por policiais são “condutas individuais, contrárias ao que é pregado pela corporação
e rigorosamente investigadas”.
A corporação refuta as declarações do deputado e afirma que “está
comprometida com a legalidade, arriscando a vida dos policiais em defesa da
população, com respeito integral aos direitos humanos”.
Nos seis primeiros meses de 2011, foram mortos cinco policiais
militares em trabalho.
Morto tomando refrigerante
A morte do filho Wagner dos Santos por um policial militar há 15
anos fez com que a aposentada Valquíria Marques dos Santos passasse a estudar a
legislação para tentar culpar o assassino.
Era uma sexta-feira, 6 de dezembro de 1996. Wagner não teve aula
naquele dia e foi, então, jogar bola com os amigos. Passou o dia em um parque
no Jabaquara, rodeado de colegas com quem sempre estava - garotos da mesma
faixa etária que a dele: 15 anos de idade.
Terminada a partida, todos se sentaram na porta de uma favela onde
alguns moravam. Conversavam em um grupo, tomando refrigerante.
Perto dali, um jovem descia acompanhado de uma garota: estava
levando a irmã para a escola. De acordo com os relatos das testemunhas, o rapaz
esbarrou em um policial. Começou uma discussão, que terminou em um
espancamento. O PM foi embora e, segundo contam, prometeu: “'Fica esperto,
porque a gente volta pra te matar”. Não demorou.
Sentado como estava, Wagner foi alvejado no pulso - uma
demonstração de que tentou se proteger do tiro, colocando a mão no rosto,
segundo a mãe. “O policial foi e atirou com uma espingarda 12. Tinha quatro ou
cinco amigos [na roda], mas mataram só o meu menino”, diz a aposentada.
O crime é antigo, mas só em julho, 15 anos depois, três policiais
acusados de matar Wagner foram a julgamento. Amedrontadas, as pessoas que
testemunharam a ação não apareceram. Os PMs foram absolvidos, mas Valquíria
recorreu da decisão. “A gente não se sente amparada por esse Estado, para quem
eu pago imposto, que matou meu menino”, afirma a mãe.
Trauma
“Sou meio traumatizada. Eu vejo viatura, vejo enquadrando, não
gosto nem de olhar, porque eu entro em pânico”. A afirmação é da recepcionista
Selma Martins Dulfrayer. Ela diz se sentir assim sempre que cruza com um carro
da Polícia Militar.
Em 16 de janeiro de 2008, a família Dulfrayer estava em festa.
Nascia o filho do porteiro Sidney Martins Dulfrayer, então com 23 anos, irmão
de Selma. A alegria durou pouco.
Cinco dias depois, em 21 de janeiro, Sidney “trocou tiros com a
polícia” - na versão dos oficiais da Rota - e foi morto com duas balas: uma na
barriga e outra na virilha. Chegou vivo ao hospital, mas morreu em seguida.
“Por se tratar da Rota e pelos tiros que ele tomou, eu tenho
certeza que ele se entregou”, afirma Selma. Dulfrayer tinha cumprido quatro
anos de pena por roubo e estava há três meses em liberdade. “Mesmo que ele
estivesse aprontando de novo na hora, não dá direito de fazer o que eles [os
policiais] fizeram”, diz Selma. A última foto que ela tem do irmão foi no
hospital, segurando o filho de poucos dias.