Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/sergiomalbergier/930715-o-voto-bem-baseado-do-stf.shtml Acesso em: 16 jun 2011.
16/06/2011-00h03
O voto bem baseado do STF
Foi um marco a decisão unânime do Supremo Tribunal
Federal de liberar a realização de marchas da maconha no Brasil.
O cada vez mais ativo e altivo STF fez uma defesa
veemente da liberdade de expressão e reunião dos brasileiros, ameaçada por
juízes e promotores que proibiam as marchas alegando que elas fazem apologia ao
uso da maconha.
Após classificar a liberdade de expressão e de
reunião como "duas das mais importantes liberdades públicas", o
relator do caso no Supremo, ministro Celso de Mello, deu um sabão na Polícia
Militar de São Paulo, que agrediu os manifestantes na Marcha da Maconha
paulistana, no mês passado.
"A polícia não tem o direito de intervir em
manifestações pacíficas. Apenas vigiá-las para até mesmo garantir sua
realização. Longe dos abusos que têm sido impetrados, e os fatos são notórios,
a polícia deve adotar medidas de proteção", vociferou Celso de Mello.
Ele usou da mesma ênfase para defender a circulação
de novas idéias, "transformadoras, subversivas, mobilizadoras".
"Idéias podem ser tão majestosas e sólidas, quanto são as mais belas
catedrais. Idéias podem ser mais poderosas que a própria espada. E é por isso
que as idéias são tão temidas pelos regimes de força", disse Celso de
Mello em seu elaborado voto, classificado por um colega de "voto bem
baseado", para riso do tribunal.
Notável que as palavras do ministro do Supremo se
pareçam tanto com as bandeiras dos meninos maconheiros e libertários que
marcharão de novo neste sábado, 18 de junho, em São Paulo e outras dezenas de
cidades do Brasil.
É um país novo, onde a TV do Silvio Santos passa um
folhetim endeusando a esquerda e demonizando a ditadura militar, onde ministros
do STF estão mais perto da meninada nas ruas do que do aparato repressor
policial, onde a discussão sobre o aborto ao menos evolui, onde o racismo é
mais confrontado.
O Brasil está ficando menos conservador. A
liberalização começou, como sempre, na economia, mas chega agora a outros
contextos.
A veemente defesa das liberdades de expressão e de
reunião pelo STF é peça importante dessa transformação.
Por todo o mundo, as novas ferramentas digitais da
comunicação estão mobilizando as pessoas em torno de idéias e bandeiras.
No Brasil, estranhamente, essa mobilização começou
pela Marcha da Maconha. A repressão policial e judicial transformou a Marcha da
Maconha em Marcha da Liberdade, uma evolução. Que neste sábado deve marchar por
dezenas de cidades brasileiras segundo o www.marchadaliberdade.org.
Tirei isso do manifesto no site: "Não somos
uma organização. Não somos um partido. Não somos virtuais. Somos REAIS. Uma
rede feita por gente de carne e osso. Organizados de forma horizontal,
autônoma, livre. Temos poucas certezas. Muitos questionamentos. E uma crença:
de que a Liberdade é uma obra em eterna construção. Acreditamos que a liberdade
de expressão seja a base de todas as outras: de credo, de assembléia, de
posições políticas, de orientação sexual, de ir e vir. De resistir. Nossa
liberdade é contra a ordem enquanto a ordem for contra a liberdade."
Parece ministro do STF falando.
Já se disse que as manifestações são os novos
barzinhos. Em São Paulo, neste sábado, o barzinho fica no vão livre do MASP, a
partir das 14h.
Leve sua causa.
Sérgio Malbergier é jornalista. Foi editor dos cadernos Dinheiro (2004-2010) e Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial da Folha a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha.com às quintas.