José
Nabuco Filho
O MAL DO MANIQUEÍSMO
José Nabuco Filho
“Não
se evita a guerra, preparando a guerra. Não se obtém a paz, senão aparelhando a
paz. Si vis pacem, para pacem.” (RUI BARBOSA)
Um dos vícios que mais empobrecem o
debate sobre os Direitos Humanos é o maniqueísmo. Segundo essa forma de pensar,
há sempre, nos episódios sociais, dois lados antagônicos: o lado bom e o ruim.
Ao fazer a opção pelo lado bom, é
rejeitada qualquer ponderação ou defesa de aspectos relevantes daquele que se considera
o lado ruim. Assim, ao se escolher o lado das vítimas, deve ser combatido
qualquer direito dos “bandidos”. Essa idéia gera simplificações que pauperizam
a compreensão sobre questões relevantes.
Imaginemos uma situação hipotética: em um
bairro pobre da periferia de São Paulo, onde ocorreram sete estupros em dois
meses, um homem foi apontado como sendo o autor dos crimes sexuais, o que o
levou a ser linchado pela população revoltada.
Nesse caso extremo, qual o lado bom? É
preciso escolher um lado ou é possível ser contra todos os atos violentos
ocorridos nessa história?
Ora, é óbvio que para ser solidário às
vítimas dos estupros, não é preciso ser favorável ao linchamento. Em outros
termos, se critico a violência do linchamento, não estou sendo favorável aos estupros.
Essa capacidade de ponderação, sem
maniqueísmo, é essencial a qualquer pessoa que queira fugir do senso comum das
bravatas sensacionalistas da mídia rasteira, que preconiza sempre que “os bandidos
têm muitos direitos”. Indagações como “e os direitos das vítimas?” contém uma
premissa falsa, por ser maniqueísta. Garantir direitos mínimos ao acusado ou ao
condenado não é ser insensível à dor das vítimas. É plenamente possível ser
contra a violência que sofreu o cidadão e, ao mesmo tempo, contra a violência
dos agentes do Estado. É plenamente possível punir os autores dos crimes e, concomitantemente,
respeitar a legalidade, observando seus direitos fundamentais.
O distorcido raciocínio maniqueísta serve
para justificar atos violentos e arbitrários de agentes do Estado. Basta que se
veja que o nefando esquadrão da morte foi defendido, em 1970, por representantes
de classe dos policiais, sob a alegação de que o judiciário respeitava demais
os direitos dos criminosos (SOUZA, Percival de. A autópsia do medo: vida e
morte do delegado Sérgio Paranhos Fleury. São Paulo: Globo, 2000, p. 241).
Por outro lado, não se pode deixar de
apontar que a violência dos agentes da repressão — torturas, físicas ou morais,
ou homicídios — tem uma gravidade maior, na medida em que esses indivíduos recebem
seus vencimentos do Estado para fazer cumprir a lei.
É preciso desmistificar essa lógica
obtusa. Não há país civilizado, digno desse adjetivo, onde não haja respeito
aos Direitos Fundamentais da pessoa humana. Não se evita crimes cometendo crimes.
Não se obtém a legalidade, senão exercendo a legalidade.