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Acesso em: 8 maio 2011
SÃO PAULO
publicado em 08/05/2011 às 08h02:
Terminologia usada por policiais não existe legalmente, afirmam especialistas
Luciana Sarmento, do R7
Werther Santana/AE
Dileone Lacerda de Aquino, de 24 anos, foi morto supostamente por policiais militares em cemitério de Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo
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A denúncia do assassinato de um jovem de 24 anos supostamente cometido por policiais militares em Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo, no mês passado fez com que o Governo de São Paulo determinasse que casos desse tipo passem a ser investigados pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), e não mais pelos distritos policiais.
Mães de Maio reclamam de impunidade
Embora a polícia tenha afirmado que a mudança irá garantir agilidade e maior eficiência nas investigações, para o Movimento Mães de Maio e para alguns especialistas ouvidos pelo R7, a troca não é suficiente para diminuir o número de mortes em ações policiais. Segundo Débora Maria da Silva, líder do movimento, é preciso extinguir esse tipo de registro.
- Não adianta mandar o DHPP investigar. Tem que banir esse modelo de fazer o boletim de ocorrência como resistência seguida de morte e registrar como homicídio.
Débora, que perdeu o filho em 2006 durante a onda de ataques cometidos pela quadrilha que age a partir dos presídios do Estado, afirma que houve uma “banalização” do registro.
- Matam o ser humano como se fosse bicho. É um modelo que a polícia criou para legitimar o homicídio. Foi preciso acontecer essa farsa no cemitério [de Ferraz de Vasconcelos] para o governo ver com mais cuidado a resistência seguida de morte.
Inconstitucional
Para o advogado especialista em segurança pública e membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves, mais do que ineficiente, o registro de resistência seguida de morte é inconstitucional.
- Essa definição não existe nem no Código Penal. É um termo usado para favorecer os policiais. Na verdade, é um homicídio. Se ocorreu, ou não, em legítima defesa, vai se comprovar depois. Por que quando uma pessoa comum comete um assassinato – e, às vezes, está atuando em legítima defesa – é registrado como homicídio?
Assim como Débora, Alves defende que assassinatos cometidos por policiais passem a ser registrados como homicídios. Segundo o especialista, que se refere aos DPs como “prontos-socorros criminais”, a mudança da investigação para o DHHP foi “bastante positiva”, uma vez que a rotina das delegacias “acaba dificultando a investigação”. No entanto, ele afirma que outras alterações ainda são necessárias.
- É incompreensível que as corporações investiguem seus próprios membros, favorecendo a impunidade. Assim como a Corregedoria da Polícia Civil passou a ser subordinada ao gabinete do secretário de Segurança, a Corregedoria da Polícia Militar também deveria. Até para cumprir o tratamento igual. Por que uma corporação é tratada diferente da outra?
Impunidade
Já para o advogado criminalista Leonardo Pantaleão, ao registrar “resistência seguida de morte” em boletins de ocorrência de eventos como o ocorrido em Ferraz de Vasconcelos, corre-se o risco de o criminoso ficar impune.
- É uma tendência que, sem dúvida nenhuma, pode ter um reflexo negativo porque já há uma orientação definida por uma autoridade policial a respeito daquilo que aconteceu. Lá no final, quem vai acabar condenando pode ser uma pessoa leiga, que é o jurado. Isso pode gerar impacto no entendimento do jurado sobre o que aconteceu.
Uma das soluções possíveis para esclarecer esse tipo de ocorrência, segundo Pantaleão, seria a SSP (Secretaria da Segurança Pública) editar uma portaria que determine a proibição do uso da terminologia. Para Alves, o assunto deve ser discutido no Conselho Nacional de Segurança e no Ministério da Justiça.
Em entrevista coletiva, o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Alvaro Batista Camilo, afirmou que casos de resistência seguida de morte têm diminuído nos últimos anos em São Paulo. Segundo ele, no primeiro trimestre de 2010, foram registradas 146 mortes em ações da PM. No mesmo período de 2011, esse número caiu para 108. O número representa 17% do total de feridos nessas ações.
Outro lado
A Secretaria da Segurança Pública informou que "a expressão 'resistência seguida de morte' é apenas uma terminologia que em nada prejudica a investigação do que houve no evento criminoso". A assessoria de imprensa do órgão ressaltou ainda que "sobre o argumento de que tal expressão poderia ser utilizada para 'acobertar' homicídios dolosos, atenuando-os, ressaltamos que o DHPP investigará toda ocorrência de resistência seguida de morte".
Procurada pelo R7, a Polícia Militar se pronunciou sobre o assunto até a publicação desta reportagem.