Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-abr-11/especialistas-acao-nacional-anticorrupcao-teve-intencao-politica-mp Acesso em: 13 abril 2013
MEGAOPERAÇÃO
NACIONAL
Ação
anticorrupção foi política, dizem especialistas
Ao que
parece, a deflagração simultânea de diversas “megaoperações
anticorrupção” foi uma manobra de autopromoção. Na terça-feira (8/4), ação
integrada do Ministério Público Federal com MPs estaduais, tribunais de contas,
Controladoria-Geral da União, Polícia Federal e Receita Federal prendeu 93
pessoas em 12 estados por diversos crimes. As acusações vão de corrupção e
desvio de recursos públicos a sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.
Nenhuma das
ações se relaciona. Cada uma tem nome próprio e estrutura independente. O ponto
em comum são as instituições federais envolvidas, principalmente o MPF. E os
louros foram para o MPF. No mesmo dia, o procurador-geral da República, Roberto
Gurgel, disse em reportagem transmitida pela TV Globo que as operações serviram
para mostrar à sociedade como a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional
37 pode prejudicar o país.
A PEC 37,
em trâmite no Congresso Nacional, pretende definir que os poderes
investigatórios pertencem exclusivamente à Polícia. Ministérios Públicos são
contra. Acreditam que, pelo fato de a Polícia estar mal aparelhada e sofrer de
déficit de pessoal, permitir que o MP investigue é medida salutar para o
combate ao crime. Outro argumento comumente levantado por promotores e
procuradores é que o MP, por definição, é mais independente que a Polícia — e,
portanto, mais apto a investigar.
Literalmente,
o que Gurgel disse à Globo foi: “O Ministério Público está se mobilizando em
todo o país, e mobilizando acima de tudo a sociedade brasileira, no sentido de
mostrar que o que se deseja com a PEC 37, com a concentração das investigações
em um único órgão do Estado — a Polícia —, representará, sem dúvida nenhuma, um
retrocesso gigantesco para a persecução penal no país e para o combate à
corrupção de um modo geral”.
O atirador
Para quem
assistiu pela televisão às prisões cinematográficas seguidas pela declaração de
Gurgel, ficou a dúvida: a intenção do orquestramento das deflagrações foi
combater a corrupção ou chamar atenção para os perigos da PEC em tramitação?
O
criminalista Alberto Zacharias Toron não tem dúvida. “Essa megaoperação foi
feita por conta e ordem da discussão da PEC 37. Utilizaram o poder repressivo
para satisfação de seus interesses corporativos”, afirma.
Também
advogado criminalista, Paulo Sérgio Leite Fernandes resumiu a situação com uma
precisa metáfora: “Isso é mais ou menos como um pistoleiro juntar 50 suspeitos
de bandidagem e atirar nos 50 ao mesmo tempo para mostrar que é um bom
atirador”. Para ele, a postura do MP nessa situação “tem intenção extremamente
política e é de caráter demagógico”. “Mostrar que sabe atirar não leva a nada.
Ele mostra ao vilarejo que tem tiro certo e o vilarejo fica acreditando que ele
é o xerife-mor, mas, na verdade, ele é um gajo querendo mostrar que atira bem.”
Pouco
eficaz
A mesma
opinião tem o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. Para ele, é
“evidentemente estranhíssimo que o procurador-geral da República tenha admitido
que fez uma mobilização no Brasil inteiro com o intuito de marcar uma posição
numa PEC. A manifestação dele é extremamente infeliz”.
Kakay se
preocupa com o destino dessas operações espetaculares. No caso das ações da
última terça, foram 93 presos, 333 mandados de busca e apreensão e 112 órgãos
investigados. “Sou contra essas megaoperações, elas não resultam no objetivo
que têm. No fim, poucos dos presos são de fato denunciados. Amplia-se demais,
perde-se o foco e quando a operação termina, se divide em vários inquéritos, e
a coisa se perde”, avalia.
Em nota, a
Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) lamentou a
declaração de Gurgel. A entidade afirmou que “não se deve misturar uma
investigação criminal com ações políticas de interesses outros que não o
compromisso com o enfrentamento eficiente e eficaz à criminalidade”.
Famoso por
defender acusados em algumas dessas megaoperações, Kakay se vê na curiosa
posição de concordar com a Polícia Federal: “Não é uma discussão sobre o poder
de investigar do MP. O fato é que o procurador-geral não pode usar a
instituição do MP para defender uma bandeira”.
Poder de
investigar
A
reclamação do Ministério Público, como instituição, é que a PEC 37 lhe tiraria
poderes. Conclusão errada, segundo o que se depreende da fala do
desembargador Adilson Vieira Macabu, do Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro, que já foi convocado para julgar no Superior Tribunal de Justiça e
derrubou operações célebres. Ele explica que a Constituição Federal diz, no
artigo 129, inciso VIII, que é papel “exclusivo” do Ministério Público
“requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquéritos
policiais”. “Requisitar não é fazer”, pontua Macabu.
Para o
ministro, a luta contra a PEC “não faz sentido”. Ele entende que a proposta
“está tentando legitimar o que já está legitimado na Constituição”. O MP, diz
ele, tem o papel de acusar, de conduzir a Ação Penal e requerer a investigação,
mas nunca de fazê-la.
A advogada
criminalista Heloisa Estellita, sócia de Alberto Toron, é da mesma opinião.
"É relevantíssima a atuação do Ministério Público na investigação e no
combate à corrupção. O que tem causado desconforto no meio jurídico, e está
sendo debatido no Supremo Tribunal Federal, são os limites desse poder de
investigação e suas regras. Creio que todos concordam que não se pode admitir,
em um Estado que vive sob a regra do devido processo legal, que o Ministério
Público possa escolher quais casos quer investigar e que tais investigações não
se submetam a normas jurídicas.”
O ministro
Adilson Macabu entende que a reivindicação do MP por poderes investigatórios é
legítima, já que é um direito democrático. Principalmente porque, segundo
conta, investigar sempre foi uma demanda do MP, inclusive manifestada na
Assembleia Constituinte. Mas sua opinião é que “os poderes que o Ministério
Público tem, dados pela Constituição, já são mais do que suficientes para que
exerçam plenamente suas atribuições mais do que relevantes para a sociedade”.
“Não se
pode forçar uma situação, porque, acima de tudo, o MP é o fiscal da lei, deve
buscar sempre a verdade dos fatos. Não pode nunca ter interesse político no
exercício de sua função institucional. Até porque se o Judiciário entender que
determinada ação não está em conformidade com esses valores, ela é anulada”,
arremata o ministro.
Leia abaixo
a nota da ADPF:
ADPF
critica a politização da “Ação Nacional contra a Corrupção” pelo Ministério
Público
Delegados
temem consequências processuais negativas
A
Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) lamenta a
utilização demagógica e política do Ministério Público com a denominada “Ação
Nacional contra a Corrupção”.
Não se deve
misturar investigação criminal com ações políticas de interesse outros que não
o compromisso com o enfrentamento eficiente e eficaz à criminalidade. Combinar
a deflagração nacional, no mesmo dia, de ações envolvendo os mais diversos
crimes, locais e alvos, inclusive com a execução antecipada e inadequada de
medidas, mostra uma preocupação exclusivamente midiática e não com a
investigação criminal.
Em franca
campanha contra a aprovação da PEC-37, o Ministério Público orquestrou a
operação com o objetivo claro de figurar como protagonista numa ação política
institucional em detrimento do trabalho colaborativo desenvolvido com as demais
instituições e órgãos públicos.
Não é a
primeira vez que isso ocorre. Nas investigações do “Mensalão”, o MP bradou que
sem eles o trabalho teria terminado em “pizza”, menosprezando a atuação da
Polícia Federal, da CPMI dos Correios, dos Ministros do STF, da imprensa e da
opinião pública. A ADPF espera uma postura mais agregadora do MP, que não
afaste os parceiros e não inviabilize o trabalho colaborativo, imprescindível
para o enfrentamento à criminalidade.
O futuro irá
dizer as consequências processuais negativas dessa "ação nacional".
Não basta um dia de espetáculo. A sociedade brasileira quer um compromisso
diário e permanente de todas as instituições no enfrentamento ao mal da
corrupção no país.
Associação
Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF)