Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,pelo-telefone-pm-ouvia-dor-de-vitima-,864031,0.htm
Acesso em: 22 abr 2012
ESTADÃO.COM.BR/São
Paulo
Pelo
telefone, PM ouvia dor de vítima
Soldado
passava informações para a quadrilha no momento em que os bandidos ameaçavam
professora durante assalto no Butantã
22 de abril
de 2012 | 3h 07
O Estado de
S.Paulo
O soldado
Rafael Carlos Rebollo Ragatte ouvia o sofrimento das vítimas enquanto fornecia
tranquilamente informações para os ladrões sobre o que ocorria do lado de fora
da casa. Esse foi um dos detalhes que mais chamaram a atenção dos
investigadores envolvidos no desmantelamento de quadrilhas que atuavam nas
zonas oeste e sul.
"A
violência psicológica é tão forte, o tom de voz, a agressividade... É dessa
forma que eles conseguem o que querem", afirmou a professora que ficou sob
a mira dos criminosos no assalto do dia 5 no Butantã em que a quadrilha foi
desfeita e o soldado do 16.º BPM, preso.
Segundo
ela, dois bandidos pularam o muro do vizinho e invadiram sua casa. Primeiro,
dominaram uma empregada; depois, a renderam. Foram duas horas de tortura
psicológica. "Um deles tirava o pente e me mostrava as balas, para eu
entender que era arma de verdade. Ele a colocava na minha cabeça e engatilhava.
Queriam dinheiro ou joias. Como eu dizia que não tinha, ficou nessa coisa. E
eles derrubando gavetas, revirando a casa. O que me ajudou é que lembrei que
tinha um dinheiro guardado."
A
professora disse que o perfil dos criminosos chamou a atenção. "Eram
pessoas instruídas, inteligentes, de raciocínio rápido. Eles não estavam
drogados, tinham mais de 25 anos, não eram moleques."
As vítimas
se viram livres quando um dos ladrões ouviu pelo celular que tinha
"sujado". Era a chegada dos investigadores que tinham flagrado a
ligação do bandido para o PM pouco antes. Ladrões correram e a professora e a
empregada se trancaram no banheiro.
Do lado de
fora, o vigia da rua, de 52 anos, foi rendido logo no começo do assalto.
"É você mesmo que eu quero", disse um dos dois ladrões. Há 25 anos na
mesma rua, ele passou por momentos de tensão dentro do Ecosport que dava
cobertura do lado de fora. Foi ameaçado de morte e escapou depois que os
bandidos bateram o carro em uma moto dos Correios durante a fuga.
Aviso.
"O campo está minado." Foi assim que o PM avisou os bandidos que um
assalto a uma casa na Lapa, zona oeste, deveria ser cancelado. Tudo porque,
naquele momento, acontecia uma festa na garagem dos vizinhos. Nesse dia,
policiais civis da 3.ª Seccional já estavam a caminho para flagrar o bando e
tentar prender o PM envolvido.
O soldado
ainda teve seus dias de "juiz" no "bate-bola" dos bandidos.
As quadrilhas o chamavam para "apitar o jogo" quando precisavam de
informações nos roubos. Escutas também flagraram Ragatte passando dados sobre
operações policiais em pancadões e avisando quando carros usados em roubos eram
encontrados pela PM depois. Pelo menos três quadrilhas conversavam com ele. Em
um dos casos, ele chegou a falar com bandidos por celular enquanto apresentava
ocorrências no 89.º DP.
Colegas de
Ragatte no 16.º BPM ouvidos pelo Estado na última semana disseram que ele era
admirado e parecia ser uma pessoa honesta nos oito anos que trabalhou ali. Eles
se dizem surpresos. "Infelizmente não vai parar por aí."
As escutas
indicam o envolvimento de outros policiais com as quadrilhas. Em algumas
conversas com Ragatte, bandidos diziam que levariam o pagamento "para
vocês". No plural.
O Estado
não localizou o advogado de defesa do acusado.