Disponível em: http://celprpaul.blogspot.com/2011/11/direito-de-greve-e-hierarquia-e.html
Acesso em: 23 nov 2011
DIREITO DE
GREVE E A HIERARQUIA E A DISCIPLINA - PROFESSOR MARCUS ORIONE GONÇALVES
CORREIA.
Por: Marcus
Orione Gonçalves Correia.
O fim da
greve de policiais civis em São Paulo trouxe à tona a discussão sobre o direito
de greve de servidores públicos em geral e, em particular, de policiais. O
debate é oportuno. Alguns alegam que a greve de policiais militares dos estados
conspira contra disposição constitucional que versa sobre a hierarquia e a
disciplina.
No entanto,
quando se irrompe o movimento grevista, não há que falar em quebra da
hierarquia, que se refere à estrutura organizacional graduada da corporação e
que se mantém preservada mesmo nesse instante. A inobservância de ordens
provenientes dos que detem patentes superiores, com a paralisação, caracteriza
ato de indisciplina? Recorde-se que a determinação proveniente de superior
hierárquico, para ser válida, deve ser legal. Jamais com base na hierarquia e
na obediência, por exemplo, há que exigir de um soldado que mate alguém apenas
por ser esse o desejo caprichoso de seu superior.
Logo, se
existem condições que afrontem a dignidade da pessoa humana no exercício da
atividade policial, o ato de se colocar contra tal estado de coisas jamais
poderia ser tido como de indisciplina. A busca por melhores salários e
condições de trabalho não implica ato de insubordinação, mas de recomposição da
dignidade que deve haver no exercício de qualquer atividade remunerada.
Portanto, se situa dentro dos parâmetros constitucionais.
Quanto às
polícias civis e federais, não há sequer norma semelhatne à anterior, até mesmo
porque possuem organização diversa. No entanto, para afastar alegações de
inconstitucionalidade da greve de policiais, o mais importante é que não se
deve confundir polícia com Forças Armadas.
Conforme
previsão constitucional, a primeira tem como dever a preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. Já as segundas,
constituídas por Exército, Marinha e Aeronáutica, destinam-se à defesa da
pátria e à garantia dos Poderes, da lei e da ordem.
Às Forças
Armadas, e somente a elas, é vedada expressamente a greve ( artigo 142,
parágrafo 3º, inciso IV, da Constituição). Ressalte-se que em nenhum instante
foi feita igual refer^`encia à polícia, como se percebe dos artigos 42 e 144 do
texto constitucional. A razão é simples: somente às Forças Armadas não seria
dado realizar a greve, um direito fundamental social, uma vez que se encontram
na defesa da soberania nacional. É de entender a limitação em um texto que lida
diretamente com a soberania, como a Constituição Federal.
O uso de
armas, por si só, não transforma em semelhantes hipóteses que são distintas
quanto aos seus fins. As situações não são análogas. A particularidade de ser
um serviço público em que os servidores estão armados sugere que a utilização
de armas no movimento implica o abuso do direito de greve, com a imposição de
sanções hoje já existentes.
Não existe
diferença quanto à essencialidade em serviços públicos como saúde, educação ou
segurança pública. Não se justifica o tratamento distinto a seus prestadores.
Apenas há que submeter o direito de greve do policial ao saudável ato de
ponderação, buscando seus limites ante outros valores constitucionais.
Não é de
admitir interpretação constitucional que crie proibição a direito fundamental
não concebida por legislador constituinte. Há apenas que possibilitar o uso,
para os policiais, das regras aplicáveis aos servidores públicos civis.
No mais,
deve-se buscar a imediata ratificação da convenção 151 da OIT (Organização
Internacional do Trabalho), que versa sobre as relações de trabalho no setor
público e que abre possibilidade à negociação coletiva, permitindo sua extensão
à polícia.
Uma polícia
bem equipada, com policiais devidamente remunerados e trabalhando em condições
dignas não deve ser vista como exigência egoísta de grevistas. Trata-se da
busca da eficiência na atuação administrativa (artigo 37 da Constituição) e da
satisfação do interesse público no serviço prestado com qualidade.
Artigo
publicado originalmente na Folha de São Paulo, dia 15 de novembro de 2010.
Marcos
Orione Gonçalves Correia é doutor e livre-docente pela USP, professor associado
do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social e da área de
concentração em direitos humanos da pós-graduação da Faculdade de Direito da
USP, é juiz federal em São Paulo (SP).
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