Disponível em: http://ultimosegundo.ig.com.br/colunistas/paulamiraglia/abuso+e+retrocesso+na+paulista/c1596973180028.html Acesso em: 28 maio 2011
Paula Miraglia
Antropóloga analisa segurança pública, justiça e cidadania
Abuso e retrocesso na Paulista
Repressão à marcha pela liberdade de expressão resulta em ação da PM com nível de violência e brutalidade como há muito não se via
23/05/2011 14:01
Recentemente o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, fez criticas à resistência à presença da Polícia Militar na Cidade Universitária. "Isso é um resquício do período autoritário", "Estamos vivendo outro momento", disse. Enfatizou, ainda, que associar segurança pública à repressão é algo superado.
Concordo com o governador. Segurança deveria ser, acima de tudo, sinônimo de liberdade e a polícia um instrumento para garanti-la. Mas convido Alckmin a assistir às imagens ou a escutar os manifestantes que estiveram na Paulista no último sábado. Eles têm uma outra história para contar.
A repressão à “marcha pela liberdade de expressão”, que veio substituir a “marcha da maconha”, resultou numa ação da Polícia Militar com níveis de violência e brutalidade como há muito não se via. Os participantes foram atacados aleatoriamente com balas de borracha e bombas de efeito moral e agredidos de forma covarde por policiais militares e guardas municipais.
Uma das explicações dadas pela PM sugere que o confronto eminente entre manifestantes pró e contra a legalização da droga motivou a a ação.
Mas não seria tarefa da polícia justamente a gestão e prevenção de conflitos envolvendo violência? O que vimos na Paulista foi exatamente o contrário: em segundos a PM converteu-se no grande promotor de violência, sem nenhum critério ou planejamento tático aparente. O que determinou, por exemplo, o uso das balas de borracha e bombas de efeito moral? Havia alguém armado? Os manifestantantes estavam depredando o espaço público? Houve agressão entre participantes? Nada disso estava acontecendo.
Forças policiais modernas usam estratégias diversas para conduzir situações como essa. Evitam o confronto porque estes custam financeira e politicamente. Mas a Polícia Militar de São Paulo não parece ter pensado nisso. Na verdade, não parece ter pensando em nada. Prova disso é que não apenas os manifestantes foram tratados com violência, mas jornalistas que estavam no local fazendo seu trabalho foram atacados e feridos, assim como pedestres e motoristas que nada tinham a ver com a manifestação.
Vimos em ação uma versão antiga de polícia, que abriu mão da racionalidade para adotar a brutalidade como princípio, que não parecia ter no seu repertório inteligência ou tática, mas apenas a truculência. Além de uma grave violação do direito de expressão, do abuso de poder e da violência, o episódio é particularmente triste poque faz retroceder as relações entre sociedade civil e polícia.
Torna mais difícil o trabalho de todos os profissionais (incluindo policiais), que estão tentando construir uma ideia de segurança que se afirme como direito, como desenvolvimento, plural, em que a polícia seja acessada como um serviço, em que o policial seja visto como um promotor de direitos e um profissional a ser respeitado. Fica difícil evocar respeito depois de assistir às imagens das agressões protagonizadas por policiais.
Para que a afirmação do governador de São Paulo seja mais do que retórica, sua política e sua polícia têm de praticar uma versão de segurança pública muito diferente daquela que vimos na Avenida Paulista.