9 de jul. de 2011

Antropóloga analisa segurança pública, justiça e cidadania


Paula Miraglia
Antropóloga analisa segurança pública, justiça e cidadania





Não há punição provisória

Alteração no Código Penal mostra que País pretende adotar perspectiva mais racional na gestão do Sistema de Justiça Criminal

08/07/2011 12:23

Desde a última segunda-feira, passaram a valer as alterações no Código Penal. A Lei nº 12.403 redefine, entre outras coisas, as condições e critérios para a aplicação da prisão preventiva diante de crimes leves.

De acordo com a legislação brasileira, a prisão teria funções distintas. Pode constituir uma pena, no caso de um crime que já tenha sido processado, julgado, e seu autor tenha sido considerado culpado. Mas pode ser também uma medida processual cautelar. Nesse caso, seu obejetivo seria garantir o bom resultado do processo e, portanto, ocorreria durante o inquérito policial ou no curso do processo criminal.

Na qualidade de pena, a prisão tem caráter essencialmente punitivo e só poderia ocorrer quando há julgamento e condenação. Como suposta medida de prevenção, mesmo antes da culpabilidade de uma determinada conduta ter sido comprovada, um réu pode ter sua prisão decretada pelo juiz de acordo com uma variedade de critérios como, por exemplo, indício de autoria, o risco potencial que o acusado pode significar à sociedade ou até mesmo à falta de residência fixa.

Hoje, contudo, como resultado de uma mistura de ineficiência por parte da Justiça e o uso inadequado desse recurso, temos uma cenário dramático no País, que transformou a prisão provisória em punição para milhares de pessoas cuja culpa não foi comprovada. De acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), 44% dos presos do sistema penitenciário brasileiro são provisórios. Em alguns Estados, esse número chega a 80%.

São mais de 200 mil pessoas que, se adotarmos o princípio constitucional da presunção da inocência, estão sendo punidas indevidamente, expostas às condições já conhecidas das prisões no País.

Adotando uma perspectiva comparativa, o Open Society Insitute realizou um estudo internacional detalhado sobre os impactos do abuso dessa modalidade de prisão. Aproximadamente, 10 milhões de pessoas são presas provisoriamente a cada ano em todo mundo.

Intitulado “O impacto socioeconômico da prisão provisória”, o relatório mostra como o uso abusivo da prisão provisória tem consequências não apenas para o indivíduo a ser julgado, mas para sua família, comunidade e para o próprio Estado.

Algumas das conclusões evidenciam as reações em cadeia: impedidos de trabalhar, os presos vêem sua renda reduzida e sua família consequentemente mais vulnerável, o que pode comprometer, por exemplo, a educação de seus filhos. Do ponto de vista do Estado, a pesquisa estabelece correlações óbvias, mas muitas vezes ignoradas: um sistema superlotado por presos provisórios está mais suscetível à corrupção e à disseminação de doenças contagiosas – tal como vem sendo comprovado pelas prisões brasileiras.

Com efeito, estabelecer alternativas à prisão para crimes que não sejam graves é uma forma de corrigir distorções que vêm impondo graves violações de direitos a milhares de pessoas. Mas é também um sinal positivo de que o País pretende adotar uma perspectiva mais racional na gestão do seu Sistema de Justiça Criminal.