16 de jun. de 2011

O MAL DO MANIQUEÍSMO


José Nabuco Filho


O MAL DO MANIQUEÍSMO

José Nabuco Filho

   

“Não se evita a guerra, preparando a guerra. Não se obtém a paz, senão aparelhando a paz. Si vis pacem, para pacem.” (RUI BARBOSA)


      Um dos vícios que mais empobrecem o debate sobre os Direitos Humanos é o maniqueísmo. Segundo essa forma de pensar, há sempre, nos episódios sociais, dois lados antagônicos: o lado bom e o ruim.

      Ao fazer a opção pelo lado bom, é rejeitada qualquer ponderação ou defesa de aspectos relevantes daquele que se considera o lado ruim. Assim, ao se escolher o lado das vítimas, deve ser combatido qualquer direito dos “bandidos”. Essa idéia gera simplificações que pauperizam a compreensão sobre questões relevantes.

 
      Imaginemos uma situação hipotética: em um bairro pobre da periferia de São Paulo, onde ocorreram sete estupros em dois meses, um homem foi apontado como sendo o autor dos crimes sexuais, o que o levou a ser linchado pela população revoltada.
 
      Nesse caso extremo, qual o lado bom? É preciso escolher um lado ou é possível ser contra todos os atos violentos ocorridos nessa história?

      Ora, é óbvio que para ser solidário às vítimas dos estupros, não é preciso ser favorável ao linchamento. Em outros termos, se critico a violência do linchamento, não estou sendo favorável aos estupros.
 
      Essa capacidade de ponderação, sem maniqueísmo, é essencial a qualquer pessoa que queira fugir do senso comum das bravatas sensacionalistas da mídia rasteira, que preconiza sempre que “os bandidos têm muitos direitos”. Indagações como “e os direitos das vítimas?” contém uma premissa falsa, por ser maniqueísta. Garantir direitos mínimos ao acusado ou ao condenado não é ser insensível à dor das vítimas. É plenamente possível ser contra a violência que sofreu o cidadão e, ao mesmo tempo, contra a violência dos agentes do Estado. É plenamente possível punir os autores dos crimes e, concomitantemente, respeitar a legalidade, observando seus direitos fundamentais.

      O distorcido raciocínio maniqueísta serve para justificar atos violentos e arbitrários de agentes do Estado. Basta que se veja que o nefando esquadrão da morte foi defendido, em 1970, por representantes de classe dos policiais, sob a alegação de que o judiciário respeitava demais os direitos dos criminosos (SOUZA, Percival de. A autópsia do medo: vida e morte do delegado Sérgio Paranhos Fleury. São Paulo: Globo, 2000, p. 241).
 
      Por outro lado, não se pode deixar de apontar que a violência dos agentes da repressão — torturas, físicas ou morais, ou homicídios — tem uma gravidade maior, na medida em que esses indivíduos recebem seus vencimentos do Estado para fazer cumprir a lei.

      É preciso desmistificar essa lógica obtusa. Não há país civilizado, digno desse adjetivo, onde não haja respeito aos Direitos Fundamentais da pessoa humana. Não se evita crimes cometendo crimes. Não se obtém a legalidade, senão exercendo a legalidade.